Adoro árvores. Pequenas e grandes, folhudas e sem folhas, frutíferas ou não, miniaturas e imensas; e quando pequena, não tinha meu pé de laranja lima, mas tinha meu pé de carambola. Ficava na chácara da minha avó, e ele era maravilhoso. Pendurava paninhos das bonecas, levava almofadas lá pra cima, pra horror da minha tia e até filhotinhos de cachorro foram passear lá em cima comigo, confesso. Tínhamos um esquema, meu primo e eu, onde amarrávamos uma corda em um balde, que diga-se de passagem, surrupiávamos da minha avó, e enquanto um ia lá pra cima para ajeitar a corda entre os galhos pra dar apoio e puxar o balde, o outro esperava lá embaixo com o pequerrucho até o “ok” do companheiro. Era o máximo. E como amo cachorros, poder estar na árvore, junto com eles, era praticamente uma consagração. Nos sentíamos abrigados, porque essa era uma árvore folhuda, e tinham lugares que nos acolhiam tão bem, que era possível, literalmente, deitar. Ficávamos lá, a tarde toda, até o intervalo das dezesseis horas, que era a hora do café, exigido rigorosamente esse horário pelo meu avô. Mas, ao lado do meu pé de carambola, havia um pé de figo. Nunca fui muito fã dele, acho que porque quando pequena não gostava muito de figo, mas sabia que minha avó gostava muito. Só que o pé de figo era sempre feinho, (comparado ao meu pé de carambola, é claro), no entanto, ele sempre dava figo. Produzia muito, e minha avó estava sempre às voltas dele.
Esses dias, passei com minha mãe ao lado de um pé de figo. Bonito, viçoso, com folhas dignas de serem guardadas dentro de um livro, aquelas... que ficam velhinhas e quanto mais velhinhas, melhor. Porém, ao passar por ele, escuto minha mãe: “Que pena... não foi podado, não dá frutos”.
Frase de efeito. Assim como as árvores, assim como somos nós.
Interessante como com essa tendência toda do “não trauma” que vivemos hoje, a gente se exime de pontuar coisas e coisas para nossas crianças. Se fez errado, dá-se uma chance; se roubou a primeira vez é porque é réu primário, se bateu no coleguinha é por causa da diferença, se bateu no pai é porque tava nervoso. Se, se, se... não foi nesse contexto, mas o fofo do Djavan escreveu “mas você adora um ‘se’”.... e é verdade. "Mais fácil aprender japonês em braile, do que você decidir se dá ou não”. Se dá ou não uma bronca, se impõe ou não um castigo, se pontua uma frase ou não, se poda ou se deixa crescer solto.
O problema de se crescer solto, é que de solto, não tem nada. Castração parcial ou falta total de castração é sempre... problema. Problema nas escolas, problema em casa, problema social. O limite libera, por mais insano que isto possa parecer; palavra de psicanalista. Sabendo até onde se pode ir, deixa a gente muito mais tranquilo, seguro de que o caminho é aquele e não o outro, cheio de “se’s”, aquele caminho em que parece se estar pisando num campo minado, não sabendo onde está a bomba, pode-se estar pisando em cima de uma.
Ah, sim... meu pé de carambola também era podado, e dava frutos lindos, saborosos e cheios de vida; assim como dizia Cecília: “Aprendi com a primavera; a deixar-me cortar e voltar sempre inteira”. Metáfora da árvore. E continuando o parafraseado da mesma Cecília: “ou isto, ou aquilo”.