domingo, 28 de fevereiro de 2016

Sobre o Saber Materno


Basta uma mulher anunciar a gravidez pra virar assunto público. Todo mundo tem uma experiência, uma dica, uma receitinha, uma simpatia (talvez nem tão simpática assim). Mas o saber materno, aquele que se passa de geração a geração, onde se observava e respeitava os fenômenos, dava voz à intuição, está a cada dia mais sufocada em detrimento do saber dito científico. Na era da tecnologia, e do "conhecimento", resolveu-se inventar os manuais:
- Como trocar a fralda em 3 minutos.
- Como fazer seu filho parar de chorar em 5 segundos.
- Como fazê-lo adormecer em 10. 
Termômetro que mede a temperatura a 8 metros da criança, fralda que quase limpa o bebê sozinho, babá eletrônica que praticamente identifica o chôro do bebê e te diz o que fazer. Exageros da minha parte, é claro, existe a terceirização do saber, mas este, não é um saber qualquer, é um saber que transmite não apenas conhecimento, mas forma laço, transmite vida, pulsão. E isto não está disponível em objetos de plástico. 
Num mundo tão repleto de gadgets e mecanismos de busca, tecnologia, invenções, ainda não criaram um substituto do saber materno. 
Técnicas infalíveis de torturadoras de bebês (oooops!) que a bem da verdade, encantam muito mais aos pais do que aos bebês; são encantadores (dos pais) de bebês, que enxergam ali a possibilidade de tentar dormir 8 horas seguidas quando se tem uma mini vida em casa. Quando se tem um filho, a vida muda. Isso inclui suas horas de sono. 
E não é fácil. Mas é incrível quando seu filho pára de chorar apenas por sentir o calor do seu corpo e ouve o som da sua voz. E a maternidade é assim mesmo, mesmo louca, meio visceral, coisa de pele.
Nenhum termômetro é capaz de substituir aquela mãozinha na testa e o rostinho colado pra saber a quantas anda a temperatura.
Nem a banheira com o suporte mais fantástico vai imitar ou substituir o toque da mãe no seu filho. 
Querem nos convencer de que há manuais para tudo, que bastam brinquedos e objetos para que se dê conta do bebê que vem por aí. E aí você compra um super-ultra-mega-power-eletro-eletrônico que vai pra frente e pra trás dá pulos e vira cambalhota e seu filho se diverte muito mais com meio pacote de arroz cru, que custou 3,00 (ou seja, meio pacote = 1,50) colocado numa forma de bolo daquelas que todo mundo tem em casa, pelo simples fato de você estar presente na brincadeira. Este investimento libidinal, robô nenhum é capaz de substituir. Imaginar o que ele quer, conhecê-lo, interpretá-lo. Este saber é soberano. E é soberano porque quem faz a função materna é um humano e é só assim que esta mini vida também vai se tornar um. Não faço pouco caso das ajudas tecnológicas, elas são bem-vindas, contanto que sejam ajudas, que venham para auxiliar algo que é maior que isso. Sentir o bebê, seu filho, a vida que tem nos braços, é este saber-sentir soberano e que deve superar todo e qualquer termômetro eletrônico e cibernético que garante que sabe o que seu filho tem. Seu filho tem você. E por algum tempo, isso deve bastar.

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Pai é pai

Sempre que posso, (você leu bem: posso); brinco com meu pai. Digo assim: "ah, pai... Você sabe como é, né?! Pai é pai... Pai é aquele que ajuda, que dá um impulso, que intercede." Falava isso pra ele, num momento em que ele havia me ajudado com uma porção de problemas. 
Esta semana, lia uma matéria sobre as mil e uma acordadas noturnas de uma mãe onde a escritora dizia que o filho a chamava, várias vezes por noite. Hora pra pedir água, hora pra dar um oizinho, hora por fome. Na verdade, em todas estas vezes, a criança precisava sentir a presença da mãe, saber que ela estava lá, de uma forma ou de outra. Pois bem. A última acordada da noite desta mãe foi quando o pai falava pro filho: "fulaninho, vai dormir que não quero escutar mais um pio esta noite". E o pio, de fato, não aconteceu.
A palavra do pai, como tem força. 

É interessante pensar no que esse ponto de basta faz nas nossas vidas. 
Somos tendenciosos ao gozo; muitas vezes infrutífero. Fizemos isso com a nossa mãe e continuamos fazendo ao longo da vida. Mas, precisamos saber a hora de parar. 
Uma piada que permanece insistindo durante a noite toda, perde a graça. Fazer sempre o mesmo programa, enjoa. Estudar para o vestibular ou qualquer outra prova sem parar é insano, arrumar a casa dia e noite, noite e dia também passa longe da saúde; assim como parar demais também o é. 
Este ponto nos permite fazer algo a mais com a nossa vidinha que não ficar importunando a mamãe ou gozar a qualquer preço às custas de nós mesmos (e dos outros). 

O nome do pai e a força que ele tem, coloca um limite nas coisas, mostra a direção, e impede muitas vezes, que uma mãe venha engolir o filho, e que o filho também engula sua mãe, muitas vezes pelas solicitações sem fim. 

Esse ponto capituné tem função estrutural na nossa vida e nos ajuda com o movimento, com a circulação da pulsão; porque se a gente sabe a hora de parar, possivelmente fique mais fácil saber a hora de começar também. Qualquer coisa. 

Lembra que eu falei no começo que sempre quando posso, brinco com meu pai? Aprendi isso numa das vezes em que percebi que quando ele falava, eu devia escutar; mesmo que quisesse discordar depois. Algo do tipo: "agora sou eu que estou falando, aguarde a sua vez". E agora, eu posso mais. Posso resolver calar ou falar, ir ou ficar, colocar a luva ou o anel; mas sem dúvida, o mais importante disso é o decidir. 

Esse é o papel do pai na tríade mãe -bebê - pai. Que haja um terceiro capaz de fazer a energia circular e o movimento acontecer. 

Feliz dia dos pais, porque pai... é pai! 


segunda-feira, 3 de agosto de 2015

AMAR MENTAR

Aproveitando a Semana Mundial da Amamentação, resolvo retomar as atividades do blog e já que estou submersa num universo cor-de-rosa de mamanhês, escolho falar sobre este ato, o de amamentar.

Sempre soube que desejava amamentar, e quando descobri que esperava a Giulia, já tinha todo um quadrinho mental de como seria este momento, e hoje posso dizer que ele é ainda melhor do que aquele que eu sonhei. Não tive dificuldades e aprendi muito sobre mim e sobre a bebê, especialmente nas primeiras semanas. Mas quando me inteirava das expectativas e ansiedades que rondam o universo da gravidez, escutava algumas mulheres me alertando de que poderia não ser um momento fácil, e que talvez fosse bem diferente daquele idealizado. 
Comecei a estudar o assunto e hoje vejo que muitas mulheres não conseguem amamentar; muitas com frustração, dor no peito (literalmente) e no coração. E estas, continuam sendo mães, igualmente como as que dão o próprio seio.

 Vejo que muitas mulheres, com muita dor acabam desistindo disso e com isso, algumas sentem muita frustração. O que quero chamar a atenção é para a função do corpo da mulher que me deixa encantada a cada dia e que talvez tenhamos deixado de lado, num mundo onde as pessoas são tão valorizadas pela estética, onde existe uma infinidade de "máquinas do tempo" capazes de deixar qualquer mulher de 40 com rostinho de 20. Tenho escutado algumas mulheres que dizem não querer amamentar, especialmente em função da estética, ou de abrir mão do corpo que tem.

É claro que a escolha do sujeito é sempre soberana, ter ou não ter filhos, morar aqui ou lá, fazer isto ou aquilo; e é com as consequências dela que ele vai lidar; o famoso "ser ou não ser, eis a questão".

O fato, é que invariavelmente o corpo durante uma gravidez vai mudar e também acho isso o máximo, porque acho incrível haver vida dentro de uma vida. Acho incrível como pode uma mulher abrigar um bebê, suprir, proteger, acalentar, tudo isso dentro do próprio corpo. 
E com isso, vem a função do seio, que antes de ser um atrativo sexual, é a de alimentar. E é mágico como o corpo consegue fazer isso; muitas vezes com mais de um dentro da barriga! É alta tecnologia! O próprio corpo produzir alimento para uma outra pessoa, um alimento que tem tudo que o bebê precisa, a qualquer hora, na temperatura certa, na produção certa, que transmite imunidade ao bebê, é algo, no mínimo encantador. Sem contar a parte do aconchego, do calor do corpo da mãe, do cheiro, do carinho, do vínculo.

Existem programas em algumas universidades que estimulam as avós a amamentarem quando a mãe é portadora de HIV. Lembro também de um programa que assisti certa vez, que mostrava a cantora Elba Ramalho dizendo que quando adotou sua filha, começou a produzir leite. É incrível o que a ocitocina é capaz de fazer. Por isso é tão importante que a mãe tenha assistência e ajuda, porque o aleitamento também exige cuidado com a mãe, que precisa produzir leite. Porque o leite da mãe, é sem dúvida, o melhor alimento que um bebê pode receber, e com isso, ele também vai receber muitos outros nutrientes que vem junto com o pacote.

Se você pensa em um dia engravidar, se você está grávida ou se você já tem um bebê e está com dificuldades, procure ajuda!

O que mais dificulta uma mãe que quer amamentar é a desinformação; e tem um monte de gente capacitada e pronta pra ajudar! Vale a pena! Uma mãe que amamenta, dorme em média 40 minutos a mais por noite do que a mãe que precisa preparar o complemento na mamadeira; pra quem está em privação de sono (e todo mundo que ganha bebê está); 40 minutos fazem bastante diferença! E essa é só uma das vantagens desse momento mágico. 

Que legal reinaugurar o blog que tanto gosto, agora falando do meu lado mãe (que sempre esteve aqui, mas que agora está sendo praticado). 
E quero mandar um abraço super apertado pra todos que me escreveram pedindo dicas e ajuda e dizer que vou colocar alguns links de sites que super ajudam quem está nesta "função". Função que faz fusão e que isso faz toda a diferença.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

DIA DE SER

Hoje, dia do psicólogo, talvez se pudesse dizer muitas coisas. Talvez, nada. Muitos pensam que a gente só escuta, muitos pensam que a gente dá estratégia, muitos pensam que a gente tem todas as respostas, muitos pensam que a gente só faz perguntas. O fato é que neste impossível de psicanalisar, a gente precisa atravessar nossos próprios fantasmas para que possamos escutar o outro. O que é dito e o que não é. Ou como dizia Leminski: "presta bem atenção no que eu não digo". O silêncio analítico, o momento de elaborar, de prosseguir. Ninguém prometeu que na vida tudo seria fácil, apesar de a gente sempre querer acreditar nisso. Nesse sonho de criança, nesse devaneio infantil, e aqui, que se tome o infantil, no mais doce da palavra e que inunda sempre os nossos pensamentos e ações, afinal, adulto é aquele que atingiu seu pleno desenvolvimento? Alguém que se relaciona perfeitamente com seus semelhantes? Ou adulto é aquele indivíduo que ocupa o status definido pela sociedade, por ser maduro o suficiente para dar continuidade à espécie? Cognitivamente, autodirigido, que o torna capaz de responder pelos seus atos diante da sociedade? Sim, maduro. Alguém que administre de forma eficaz sua vida profissional, pessoal e financeira. Aonde estão os adultos? Não é a toa que numa análise, voltamos à infância, porque todos a temos dentro de nós mesmos. A boa má notícia: Ela nunca sai de nós. É necessário que encontremos lá, o entusiasmo da contagem regressiva para o natal, ou para a chegada dos pais em casa, a coragem de subir em árvores, sem cogitar que se pode cair. Aos poucos, na vida, vamos criando nossas "casquinhas", medos... inseguranças, e quando a gente já nem cogita subir mais na árvore, de repente, somos tomados por inibição, sintoma e angústia. Já não galgamos mais objetivos, já não acreditamos mais nas pessoas, nos tornamos incapazes; e superar desafios não existe mais no nosso vocabulário. E o pior de tudo isso, é que... poderíamos ser muito melhores, se não quiséssemos ser tão bons, como já dizia Freud. Então, nesse dia 27, e não só hoje, que a gente possa deixar nossa criança falar bem alto, que a gente possa se arriscar, subir em árvores, descer, colher os frutos da nossa vida, resignificá-la e tocá-la em frente. Afinal, o que se espera ao final de uma análise é que o sujeito possa amar e trabalhar. E que a gente, além de adulto, possa ser alguém capaz de admitir seu papel diante da vida, bancando nosso próprio desejo, (coisa que as crianças inclusive, fazem muito bem), e que nos tornemos gente grande e grande gente.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

É PROIBIDO MORRER



O caminho natural das coisas, é que a gente nasce, cresce, conhece alguém, se apaixona, casa, tem filhos, netos, bisnetos (com sorte), aproveitando o duplo que as palavras permitem. Nascimento e morte, únicas certezas.
O fato é que no decorrer de todo esse processo, muitas perdas são sofridas por nós. A perda de ser objeto para a mãe, a perda do(a) namoradinho(a) da escola, a perda de não sermos mais crianças, a perda do corpo infantil, da primeira paixão, de sair da casa dos pais, do corpo que vai se modificando, das escolhas que vamos fazendo, afinal pra cada escolha, uma renúncia, uma perda. A vaga que você estava de olho no estacionamento e que o espertinho veio e tomou de você, o plano que não deu certo, a viagem frustrada.
Não é a toa que a clínica do luto é tão importante. Saber perder, deixar ir. O objeto que cai.
Quando se trata da morte, todas estas questões ficam ainda mais afloradas. O que é a vida, o que vale na vida, o que fica da vida, e quando se fala de luto, não dá pra resumir. É preciso ponto por ponto, desamarrar e tecer novamente a colcha (de retalhos). Retalhação sentida no próprio corpo. Dor.
A dor acontece quando a energia que investimos num objeto fica sem destino. O objeto se vai, o sentimento não. E dói. Muito. Não por acaso que se escuta tanto num velório, “ah, se eu pudesse tirar a sua dor com as mãos”. Sentimento de quem percebe a perda e se compadece. Por isso a importância do rito. “Ele não preenche o vazio da morte, mas presta um suporte simbólico ao intento de inscrever a perda”.
O fato é que hoje, não pode doer. Imperativo de felicidade. Se ele terminou o namoro, arruma outro; se está doendo, recalca. O fato é que não pode doer. E agora existe até código pra proibição da dor depois que alguém morre. No último DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), se uma pessoa estiver enlutada há mais de duas semanas, já é considerada doente. E pra onde vai então a dor de perder alguém? O que se faz com isso? Não se pode mais falar da pessoa morta? E os objetos deixados, e as marcas, e todo o resto? O que se fazer com isso? Não há mais lugar pra dor.
Como Freud diz, o trabalho de luto é de descostura, ponto por ponto. E só é possível um processo de luto, quando conseguimos responder à pergunta: “o que fui para o outro?” ; “o que fui para aquele que se foi?”, “no que a ele, fiz falta?”.
Pergunta difícil que acompanha o enlutado através do que fez parte do caminho da vida. Objetos, personalidade, palavras. No luto há de existir luta. Luta pra se continuar, pra seguir a diante se inscrevendo novamente o que fui para o outro. Descosturar, pra poder tecer de novo.
E para se continuar vivendo, cada traço, cada fio há de ser cortado e alinhavado novamente. Fio a fio. Sem apertar nem afrouxar demais.
O teste de realidade ratifica a perda. “é, ele não está mais lá”. E então, é preciso retirar do objeto toda a libido nele investida. Mas como fazer isso se é proibido sentir? Se é proibido sofrer? Se é proibido falar do que se foi? Tenho minhas dúvidas se embotamento seria a resposta para uma perda.
É preciso fazer o caminho, quantas e quantas vezes forem necessário, perder no real, mas mantê-lo simbolicamente; preservando inclusive e principalmente as marcas que ele nos deixou. A doença acontece quando o luto não é feito, e não quando uma pessoa chora a perda de quem se foi.
Pois se não se pode fazer luto, também não se pode morrer.

quinta-feira, 8 de março de 2012

O SEGUNDO SEXO


Mulher.
Em homenagem ao nosso dia, tantas metáforas são usadas pra poder definir o que quer dizer, (o que me lembra outra questão), o que quer uma mulher.
Pergunta difícil de ser respondida, interpretada por feministas e machistas, (ainda sou mais adepta do segundo grupo), o qual impõe mais diferença do que o primeiro, que as tenta negar.
Somos frágeis sim, choramos por qualquer coisa, somos sensíveis, passamos por alterações hormonais o mês inteiro, lidamos com as angústias do envelhecimento, buscamos reconhecimento profissional, cuidamos da casa, dos filhos, queremos namorar, nos sentir cuidadas, amadas e protegidas. Na verdade, acho que essas últimas características definem muito sobre o que quer uma mulher. Se colocar como falta pra que o outro, fálico, a possa preencher. Não se nasce, torna-se mulher. Como mesclar sensibilidade e força? Linha tênue desafiadora.
A falicidade do salto, a metáfora do batom, o rosa, as unhas, as saias, as rendas, as flores. Tudo pra gente. A particularidade do feminino e junto com ela, todo o poder que isso possa envolver.
“Fragilidade, teu nome é mulher”; já dizia Shakespeare.
O símbolo, , remete à Vênus, deusa do amor e da beleza e também. Da feminilidade. Um círculo em cima, um “+” embaixo. Uma barriga de grávida, um “+”, ou um (a +) pra se fazer contraponto... da matemática, é claro. + e – = – ? . É mulheres, perdemos de novo. Ficamos em segundo. Mas, se pensarmos bem, no + , são dois risquinhos de – (menos) . Sobrepostos. E – e – = + .
Somos duas faltas, então. Falta que faz suplência pra ser preenchida, falta em ser, falta em ter. Somos não-todas. Ainda bem. Somos o segundo.
O segundo sexo, livro polêmico da Simone de Beauvoir, que causa frisson até hoje. No entanto, crédito ao que é fálico, o primeiro. Mas, é no par que se faz dois. É no encontro de duas faltas que se faz um. Da matemática, são menos sobrepostos e em diferentes posições que se faz mais. É preciso do segundo pra dar sentido ao primeiro. Aos psicanalistas de plantão, é preciso S2, pra dar sentido a S1. E aproveitando o simbolismo cibernético, S2, usado pra falar do coração. Coração, simbolismo pra falar do amor. Fragilidade poderosa, que do menos, faz mais.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

O SEGREDO DOS SEUS OLHOS






Esses dias assisti a este filme, “O segredo dos seus olhos”; que me chamou atenção, entre outras coisas, pelo nome. Poderia me debater aqui sobre o enredo interessante, os atores, a sinopse, a direção. No entanto, vou ficar só no nome, que já dá pano pra manga, e onde já existe segredo o suficiente pra me debater.
O filme conta a história de um assassinato, onde para encontrar o assassino, os investigadores começam uma saga porque tudo levava a entender que este era alguém conhecido da vítima. Em uma foto, tudo é revelado.
A vítima, os colegas, o assassino. E... O segredo dos seus olhos.
O olhar.
E ele não mente.
As palavras, por sua vez, podem estar cheias e recheadas de engodo. “Eu te amo”, “eu te odeio”, “sinto saudade”, “não sinto”. Tudo isso é capaz de passar pela boca de modo mais rápido ou mais lento, entonações, voltinhas, palavras diretas ou indiretas, letra de música, cartas, lembretes, facebook, twitter, e-mails. Mas pode vir recheado de equívoco. No olhar, isso se revela. Não é por aí que se diz que o olhar é o espelho da alma? É lá que existe esse registro. E ele acontece mais rápido do que o “quero mostrar ou esconder”. Ele simplesmente aparece. Não é enganável.
Na relação mamãe-bebê isso se mostra ainda mais claro. Os olhos da mãe vão consentir ou não o lugar que ela dá a essa criança e por onde passa sua via pulsional.
A pulsão invocante, invoca e convoca esse bebê a comparecer, um chamar, que dá a ele um nome, acredite, não aleatório. No entanto, é aliada à pulsão escópica, aquilo que a mãe vê em seu bebê é que vai fazer haver diferença entre a simples demanda e a invocação. Na demanda, o sujeito se encontra numa posição de dependência absoluta em relação ao Outro. A demanda é compreendida como uma exigência absoluta. Ao contrário, o sujeito invocante é retirado dessa dependência, e aqui não se trata mais de uma demanda endereçada a um outro, aí disponível, mas de uma invocação supondo que uma alteridade possa advir, de onde o sujeito, pura possibilidade, seria chamado a tornar-se.
A pulsão escópica, por que via a mãe enxerga este bebê é que vai mostrar inclusive por que janela ele mesmo vai ver o mundo. Ah, espera. O ditado diz que o olhar é o espelho ou a janela da alma? Boa pergunta.
Olhar esse que a mãe lança sobre o bebê, reconhecendo-o ou não. Um alguém perante o louva-deus. O que somos? Seremos devorados logo em seguida? Ou seremos reconhecidos?
Investimento narcísico que a mãe faz nela mesma através do bebê e que este, por sua vez, poderá investir em si mesmo através deste primeiro olhar.
Espera-se sempre de uma mãe que morra de amores pelo filho, que morra por ele, inclusive, literalmente, que fale coisas boas, que diga “eu te amo”; mas uma mãe que não VÊ seu filho como seu tesouro, que não reconhece nele “aquilo que lhe faltava”, uma mãe que não se VÊ no espelho como não-faltante olhando pra aquele serzinho indefeso, passa pelo risco do que esse não-consentimento pode trazer.
Aquilo que a mãe reconhece em seu bebê, a pecinha que faltava do seu quebra-cabeça, seu filhinho-falinho, sua própria imagem narcísica como completa. Essa é a diferença. O segredo dos seus olhos. Espelho esse em que o bebê vai se reconhecer na mãe, e é a janelinha através da qual, ele vai enxergar o mundo.
Na vida, tudo se pode mudar. Pode-se mudar de trabalho, de mulher, de rosto, de religião, até de Deus, mas há algo que não muda. A paixão. Citação do próprio filme. E que faz pensar que mesmo apesar de todos os engodos que as palavras podem trazer, existe algo que se revela pra fora sobre o que se passa dentro. Banda de Moebius.
Paixão, atualização dos circuitos pulsionais. Paixão, pulsão. E é dela que se trata quando uma mãe olha para o seu bebê e revela então, o segredo dos seus olhos.