segunda-feira, 2 de abril de 2012

É PROIBIDO MORRER



O caminho natural das coisas, é que a gente nasce, cresce, conhece alguém, se apaixona, casa, tem filhos, netos, bisnetos (com sorte), aproveitando o duplo que as palavras permitem. Nascimento e morte, únicas certezas.
O fato é que no decorrer de todo esse processo, muitas perdas são sofridas por nós. A perda de ser objeto para a mãe, a perda do(a) namoradinho(a) da escola, a perda de não sermos mais crianças, a perda do corpo infantil, da primeira paixão, de sair da casa dos pais, do corpo que vai se modificando, das escolhas que vamos fazendo, afinal pra cada escolha, uma renúncia, uma perda. A vaga que você estava de olho no estacionamento e que o espertinho veio e tomou de você, o plano que não deu certo, a viagem frustrada.
Não é a toa que a clínica do luto é tão importante. Saber perder, deixar ir. O objeto que cai.
Quando se trata da morte, todas estas questões ficam ainda mais afloradas. O que é a vida, o que vale na vida, o que fica da vida, e quando se fala de luto, não dá pra resumir. É preciso ponto por ponto, desamarrar e tecer novamente a colcha (de retalhos). Retalhação sentida no próprio corpo. Dor.
A dor acontece quando a energia que investimos num objeto fica sem destino. O objeto se vai, o sentimento não. E dói. Muito. Não por acaso que se escuta tanto num velório, “ah, se eu pudesse tirar a sua dor com as mãos”. Sentimento de quem percebe a perda e se compadece. Por isso a importância do rito. “Ele não preenche o vazio da morte, mas presta um suporte simbólico ao intento de inscrever a perda”.
O fato é que hoje, não pode doer. Imperativo de felicidade. Se ele terminou o namoro, arruma outro; se está doendo, recalca. O fato é que não pode doer. E agora existe até código pra proibição da dor depois que alguém morre. No último DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), se uma pessoa estiver enlutada há mais de duas semanas, já é considerada doente. E pra onde vai então a dor de perder alguém? O que se faz com isso? Não se pode mais falar da pessoa morta? E os objetos deixados, e as marcas, e todo o resto? O que se fazer com isso? Não há mais lugar pra dor.
Como Freud diz, o trabalho de luto é de descostura, ponto por ponto. E só é possível um processo de luto, quando conseguimos responder à pergunta: “o que fui para o outro?” ; “o que fui para aquele que se foi?”, “no que a ele, fiz falta?”.
Pergunta difícil que acompanha o enlutado através do que fez parte do caminho da vida. Objetos, personalidade, palavras. No luto há de existir luta. Luta pra se continuar, pra seguir a diante se inscrevendo novamente o que fui para o outro. Descosturar, pra poder tecer de novo.
E para se continuar vivendo, cada traço, cada fio há de ser cortado e alinhavado novamente. Fio a fio. Sem apertar nem afrouxar demais.
O teste de realidade ratifica a perda. “é, ele não está mais lá”. E então, é preciso retirar do objeto toda a libido nele investida. Mas como fazer isso se é proibido sentir? Se é proibido sofrer? Se é proibido falar do que se foi? Tenho minhas dúvidas se embotamento seria a resposta para uma perda.
É preciso fazer o caminho, quantas e quantas vezes forem necessário, perder no real, mas mantê-lo simbolicamente; preservando inclusive e principalmente as marcas que ele nos deixou. A doença acontece quando o luto não é feito, e não quando uma pessoa chora a perda de quem se foi.
Pois se não se pode fazer luto, também não se pode morrer.

quinta-feira, 8 de março de 2012

O SEGUNDO SEXO


Mulher.
Em homenagem ao nosso dia, tantas metáforas são usadas pra poder definir o que quer dizer, (o que me lembra outra questão), o que quer uma mulher.
Pergunta difícil de ser respondida, interpretada por feministas e machistas, (ainda sou mais adepta do segundo grupo), o qual impõe mais diferença do que o primeiro, que as tenta negar.
Somos frágeis sim, choramos por qualquer coisa, somos sensíveis, passamos por alterações hormonais o mês inteiro, lidamos com as angústias do envelhecimento, buscamos reconhecimento profissional, cuidamos da casa, dos filhos, queremos namorar, nos sentir cuidadas, amadas e protegidas. Na verdade, acho que essas últimas características definem muito sobre o que quer uma mulher. Se colocar como falta pra que o outro, fálico, a possa preencher. Não se nasce, torna-se mulher. Como mesclar sensibilidade e força? Linha tênue desafiadora.
A falicidade do salto, a metáfora do batom, o rosa, as unhas, as saias, as rendas, as flores. Tudo pra gente. A particularidade do feminino e junto com ela, todo o poder que isso possa envolver.
“Fragilidade, teu nome é mulher”; já dizia Shakespeare.
O símbolo, , remete à Vênus, deusa do amor e da beleza e também. Da feminilidade. Um círculo em cima, um “+” embaixo. Uma barriga de grávida, um “+”, ou um (a +) pra se fazer contraponto... da matemática, é claro. + e – = – ? . É mulheres, perdemos de novo. Ficamos em segundo. Mas, se pensarmos bem, no + , são dois risquinhos de – (menos) . Sobrepostos. E – e – = + .
Somos duas faltas, então. Falta que faz suplência pra ser preenchida, falta em ser, falta em ter. Somos não-todas. Ainda bem. Somos o segundo.
O segundo sexo, livro polêmico da Simone de Beauvoir, que causa frisson até hoje. No entanto, crédito ao que é fálico, o primeiro. Mas, é no par que se faz dois. É no encontro de duas faltas que se faz um. Da matemática, são menos sobrepostos e em diferentes posições que se faz mais. É preciso do segundo pra dar sentido ao primeiro. Aos psicanalistas de plantão, é preciso S2, pra dar sentido a S1. E aproveitando o simbolismo cibernético, S2, usado pra falar do coração. Coração, simbolismo pra falar do amor. Fragilidade poderosa, que do menos, faz mais.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

O SEGREDO DOS SEUS OLHOS






Esses dias assisti a este filme, “O segredo dos seus olhos”; que me chamou atenção, entre outras coisas, pelo nome. Poderia me debater aqui sobre o enredo interessante, os atores, a sinopse, a direção. No entanto, vou ficar só no nome, que já dá pano pra manga, e onde já existe segredo o suficiente pra me debater.
O filme conta a história de um assassinato, onde para encontrar o assassino, os investigadores começam uma saga porque tudo levava a entender que este era alguém conhecido da vítima. Em uma foto, tudo é revelado.
A vítima, os colegas, o assassino. E... O segredo dos seus olhos.
O olhar.
E ele não mente.
As palavras, por sua vez, podem estar cheias e recheadas de engodo. “Eu te amo”, “eu te odeio”, “sinto saudade”, “não sinto”. Tudo isso é capaz de passar pela boca de modo mais rápido ou mais lento, entonações, voltinhas, palavras diretas ou indiretas, letra de música, cartas, lembretes, facebook, twitter, e-mails. Mas pode vir recheado de equívoco. No olhar, isso se revela. Não é por aí que se diz que o olhar é o espelho da alma? É lá que existe esse registro. E ele acontece mais rápido do que o “quero mostrar ou esconder”. Ele simplesmente aparece. Não é enganável.
Na relação mamãe-bebê isso se mostra ainda mais claro. Os olhos da mãe vão consentir ou não o lugar que ela dá a essa criança e por onde passa sua via pulsional.
A pulsão invocante, invoca e convoca esse bebê a comparecer, um chamar, que dá a ele um nome, acredite, não aleatório. No entanto, é aliada à pulsão escópica, aquilo que a mãe vê em seu bebê é que vai fazer haver diferença entre a simples demanda e a invocação. Na demanda, o sujeito se encontra numa posição de dependência absoluta em relação ao Outro. A demanda é compreendida como uma exigência absoluta. Ao contrário, o sujeito invocante é retirado dessa dependência, e aqui não se trata mais de uma demanda endereçada a um outro, aí disponível, mas de uma invocação supondo que uma alteridade possa advir, de onde o sujeito, pura possibilidade, seria chamado a tornar-se.
A pulsão escópica, por que via a mãe enxerga este bebê é que vai mostrar inclusive por que janela ele mesmo vai ver o mundo. Ah, espera. O ditado diz que o olhar é o espelho ou a janela da alma? Boa pergunta.
Olhar esse que a mãe lança sobre o bebê, reconhecendo-o ou não. Um alguém perante o louva-deus. O que somos? Seremos devorados logo em seguida? Ou seremos reconhecidos?
Investimento narcísico que a mãe faz nela mesma através do bebê e que este, por sua vez, poderá investir em si mesmo através deste primeiro olhar.
Espera-se sempre de uma mãe que morra de amores pelo filho, que morra por ele, inclusive, literalmente, que fale coisas boas, que diga “eu te amo”; mas uma mãe que não VÊ seu filho como seu tesouro, que não reconhece nele “aquilo que lhe faltava”, uma mãe que não se VÊ no espelho como não-faltante olhando pra aquele serzinho indefeso, passa pelo risco do que esse não-consentimento pode trazer.
Aquilo que a mãe reconhece em seu bebê, a pecinha que faltava do seu quebra-cabeça, seu filhinho-falinho, sua própria imagem narcísica como completa. Essa é a diferença. O segredo dos seus olhos. Espelho esse em que o bebê vai se reconhecer na mãe, e é a janelinha através da qual, ele vai enxergar o mundo.
Na vida, tudo se pode mudar. Pode-se mudar de trabalho, de mulher, de rosto, de religião, até de Deus, mas há algo que não muda. A paixão. Citação do próprio filme. E que faz pensar que mesmo apesar de todos os engodos que as palavras podem trazer, existe algo que se revela pra fora sobre o que se passa dentro. Banda de Moebius.
Paixão, atualização dos circuitos pulsionais. Paixão, pulsão. E é dela que se trata quando uma mãe olha para o seu bebê e revela então, o segredo dos seus olhos.