quinta-feira, 23 de setembro de 2010

ANGÚSTIA

Qual seria o próximo tema da coluna? Pergunta-me o professor. Respondo, então: angústia! Já que tenho falado e escrito sobre isso, nada mais justo do que falar um pouco disso que não pode ser falado.

A angústia é aquilo que acarreta a falta de palavras. Aquele afeto de desprazer, que se manifesta na gente, em lugar de um sentimento inconsciente, na espera de algo que a gente não pode nomear.

O que te angustia? A primeira sensação é que a gente não pode descrever o que nos provoca angústia. Porém, a gente sente. Sente no corpo. Corpo erógeno, corpo de bordas, corpo pulsionalizado. A gente sente um aperto no peito, uma sensação ruim, um pressentimento. Pré-sentimento. Há toda uma tentativa, algumas vezes, bem sucedida, de aplacar, de fazer desaparecer qualquer manifestação de angústia. Vemos isso no universo médico, na televisão, nas livrarias, no dia-a-dia. Não se suporta a escuta dela. Quando se pergunta: “tudo bem com você?”; acostumamos o ouvido a escutar: “tudo, e você?”. Cruzamos os dedos para que a resposta seja essa e que se a pessoa de fato não estiver com tudo bem, que não seja conosco que ela divida.

Aquilo que a palavra não alcança, aquilo que parece não ter remédio. Mas, como toda indústria farmacológica de tola não tem nada, inventam a cada dia “soluções” pra abafar esse “probleminha”. Novos medicamentos, novas fórmulas, novos pacotes, novas soluções; tudo no estilo: 3 em 1. “Acabe com a angústia, o mal-estar e o cansaço!”. “Leve, leve!!! É imperdível!”. Tudo isso pra evitar o surgimento deste afeto.

Grande oferta de diagnósticos e medicamentos, novos gadgets de um mercado que promete solução para a inquietação. Inquietação porque há algo que não consegue se aquietar e ao mesmo tempo, que não se consegue falar. Há um convite em gozar com a angústia, há uma domesticação dela, como diz Melman. E eles mudam de nome, todos os dias. Não é a toa que a indústria farmacológica cresceu, cresce e cresce a cada dia. Fatia gordinha do mercado, e que talvez esteja tão gorda porque se alimenta da gente. Saída que tampona, que disfarça e que de des/angústia, não tem nada.

O que a gente pode falar da angústia? Que não se pode falar dela. Que ela vai além do que a palavra pode circunscrever. No entanto, sabemos que ela é um afeto, o afeto que não engana. A angústia é da ordem de uma certeza, o que a torna ainda mais difícil de suportar. O que nos deixa aniquilados.

A angústia que sentimos não é que aquilo que a gente sente na iminência de que algo vai faltar. Pra isso, a gente conta com outros recursos, faz outros laços. A angústia é aquela que a gente sente quando se vê como algo, não como alguém. E no sentido do “como” alguém, comidos, engolidos. Pura carne, puro objeto. Talvez aquela carne, que já virou almôndega, e que alimenta os cofrinhos da fatia gordinha, lembra? Quando somos reduzidos a um pedaço, quando o Outro busca a minha perda, porque tenta restituir sua própria falta. Quando sou colocado neste lugar, desapareço como sujeito, e surjo, como puro objeto. Fiapo de carne no dente do Outro. Diante disso: silêncio.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

A MINA

Imagine que você está num lugar escuro, sem luz do sol, portanto sem diferenciação do dia ou da noite. Perdeu-se a rotina, os horários das refeições, o objetivo da sua missão. Sua sorte é: outras 32 pessoas estão com você neste lugar. Ainda bem que não se está sozinho, o que eu diria que seria estar a um passo da loucura. Estar sem um Outro que norteie o que está acontecendo e venha acalmar e dizer que tudo vai ficar bem. Plena dor do desamparo de que falava Freud. Atualizada e revivida com tudo o que se tem direito. À falta de demanda, à escuridão de que viemos, o útero.

Querendo encontrar ouro, deram de cara com a escuridão. Foi assim que os mineiros do Chile foram parar na mina escura a 700 metros da superfície.

O mundo inteiro se comoveu com a tragédia dos mineiros. E sem dúvida, os primeiros dias foram os de maior angústia. Sem saber se iriam encontrá-los, sem saber se morreriam de inanição, sem saber se notariam sua falta, perderam cada um, cerca de 10 quilos já nos primeiros dias. Soterrados à mercê de que alguém viesse em socorro, sem um Grande Outro que pudesse intervir, ficaram angustiados e acredito que se estivessem sozinhos, prefeririam a morte à espera.

Em experiência feita com candidatos, que acredito serem candidatos à angústia, que ficaram cerca de quatro dias num quarto escuro sem janelas, sem a luz do sol, sem televisão, sem ninguém para conversar, em isolamento total; tiveram alucinações, auditivas, visuais e sensoriais, onde uma das participantes disse ter sua cama molhada e por isso clamava por intervenção. Clamava por alguém que viesse trocar sua cama. Alguém. Qualquer um. Um. Alguém.

Histórias não faltam de pessoas que se viram sozinhas num lugar estranho, como o caso do filme Náufrago, em que Tom Hanks elege Wilson, uma bola de vôlei, como seu único e melhor amigo, com quem ele pudesse compartilhar as palavras e os efeitos de sua solidão. Solidão pré-wilson, diga-se de passagem. Poder dizer para o amigo-bola como se sentia e poder se remeter a um outro já é por si só calmante, e bem menos psicótico. Wilson tinha, inclusive, expressão. O que serve de resposta, espelho. Não é a toa que se colocaram psicólogos e médicos de plantão para que os mineiros, mesmo na escuridão, possam ser ouvidos de suas angústias; e não enlouqueçam maciçamente.

Todos nascemos numa mina, que pode sim, ser cercada de ouro e metais caros, mas que se não tiver alguém para nos resgatar e nos fazer demanda, enlouqueceremos como mineiros na mina, e crianças sem pais; como um cachorro sem dono, que vive a vagar solitário pelas ruas, como um palhaço sem platéia, como um bebê sem colo. Não tendo a quem se remeter, perdemos o norte, a direção, a bússola. Não sabemos nem dar as direções para sermos resgatados.

Precisamos de um outro. De um Grande Outro que venha em nosso socorro e que nos estenda a mão, que nos dirija o olhar, que nos invoque a voz e nos resgate da escuridão de onde viemos, para que possamos chorar com a luz extra-uterina, um Outro que nos resgate da mina com a altura do maior edifício, porém, abaixo da terra, pra que se possa diferenciar o dia da noite, e que da escuridão, se faça luz.