quinta-feira, 22 de julho de 2010

SÓ UM TAPINHA, DÓI?

Esta semana, corre a notícia de um projeto de lei que proíbe os castigos corporais e inclusive as palmadinhas em crianças.

Sou do tempo em que conhecia os meus limites através do olhar da minha mãe. Se estávamos na casa de alguém, e passávamos dos limites na bagunça, mamãe olhava com um olhar menorzinho, meio de canto de olho; pronto. Era o suficiente pra impor o limite que estava faltando. Dissimetria. Ela era maior, mais forte, mais madura, e mais do que tudo isso, ela era minha mãe.

Ela mãe, eu filha. Simples assim. Diferença entre os envolvidos. Nós não éramos iguais. Quando eu não queria parar a brincadeira, que se deixasse ia até à meia-noite, ELA sabia o sono e o cansaço que eu teria que enfrentar no dia seguinte na hora de ir pra escola, e cortava o meu barato. Para meu próprio bem. Sem deixar o Princípio do Prazer ficar rolando solto e imperativo por aí. O Princípio da Realidade precisava ser mostrado, imposto, até porque ele se impõe mesmo, e não era por isso que acabava o gozo. Instauração da rotina. Hora de brincar, hora de comer, hora de dormir, trocar um prazer por uma necessidade que também é prazerosa e que não pode ser negligenciada. Mas eu não sabia disso. Foi ela que me mostrou. Foi ela quem me botou no mundo, ela é quem deveria saber o que é melhor pra mim. Mesmo quando eu queria medir força, ela se impôs. Que bom. Dissimetria. As partes não são iguais. Ela mãe, eu filha. Simples assim.

Uma criança, na sua birrinha da “fase do não”, pode até tentar, espernear, medir força, chorar, mas quem deve mandar, é o adulto. É esse Outro grandão que deve tomar as rédeas da educação e mostrar o caminho. Por mais estranho que isso possa parecer, e de apesar de ela não saber disso, a criança não quer que lhe atendam todas as demandas, ela precisa é de parada. Hora de brincar, hora de dormir, hora de comer. Se ela não tem posicionamento, não sabe pra onde ir, fica perdida.

Projeto pra se acabar com a palmada. Não coloco aqui o favoritismo da palmada, nem a falta dela. A favor da dissimetria, sim. Ela, mãe; eu, filha. Simples assim. Apanhei duas vezes na minha vida. Com razão. E pra falar a verdade, acredito que tenha doído muito mais na minha mãe do que em mim.

Vi outro dia, no mercado, um projeto de pessoa de cinco anos, mandando, a mãe calar a boca. Sim, mandando; e sim, com estas palavras. Fiquei tão indignada na hora que quase entreguei um cartão. Como assim, mandar a mãe calar a boca? Se agora é calar a boca, o que vai ser daqui a dois anos? Hoje, a infância é colocada em redoma de vidro, ou melhor, de cristal, como aquele vaso bonito que só dá pra olhar, mas que ninguém pensa em relar. E vira lei. O que acontece é que logo, logo elas aprendem este poder nas mãos e fazem uso disso. Elas próprias ameaçam os pais. Caminho da perversão. O não, não é não de verdade. O não é quase sim. “Olha, não faça isso, mas se fizer, faça só um pouquinho”. Duplo sentido, “não pode, pode”, é não, mas é sim. E com a falta de posicionamento e dissimetria, um tapinha dói, dói muito, nos pais.
Infância colocada em redoma de vidro, como o vaso bonito, na estante, na altura dos grandes.

A falta do tapinha, do posicionamento. Confusão de papéis, tudo igual, tudo igual.

Não. Não é igual. Dissimetria. Ela mãe, eu filha.

6 comentários:

  1. Muito bom ver uma colega e amiga se posicionar dessa forma. Fico orgulhosa em ler suas palavras e saber que algumas pessoas ainda prezam pela necessidade de limites.
    Total apoio!
    Violência ou abuso da força (física e mental) NÃO! Mas a Dissimetria?! Sim... isso sim!
    Parabéns!

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  2. Recebi seu texto através de uma amiga que temos em comum. Parabéns. Sou mãe de duas meninas (moças já), e sei como está cada vez mais difícil impor limites aos filhos. Erram os pais, sofrem os filhos. Então é esse o nome: Dissimetria? Pois bem, DISSIMETRIA JÁ!
    Grande abraço.

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  3. Nem preciso dizer que amei !! Ficou muito boa a coluna !

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  4. Jorge Forbes, no livro "Você quer o que deseja?", diz que os pais têm medo de ouvir os filho lhe dizer: eu não gosto de você.
    E por isso cedem aos desejos mais absurdos dos filhos. Por medo de ouvir isso.
    Pois bem, é preciso que em alguns momentos da vida, as crianças pensem que não gostam dos pais. Para depois redescobrirem que eles continuam lá, ainda assim, e ainda bem.
    É preciso que os pais suportem esse lugar. Senão, criamos cada vez mais "reizinhos"...e uma vez criados, como aguentá-los???

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  5. Excelente!
    Este posicionamento é fundamental para que a palavra dos pais tenha efeito sobre a criança. Principalmente na hora da birra, parece que os filhos entram em transe e não ouvem nada além da própria vontade e do próprio choro. Se não houver esta diferença bem definida de papéis, haverá apenas o monólogo da criança. E aí, no desespero, muitas vezes a palmada vira a arma pra trazer os pequenos pro mundo real.
    Parabéns pelo texto Priscila, acho que este assunto precisa ser muito discutido. Me dá arrepio ver os "reizinhos" se proliferando.

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  6. Oi Prici, amei tudo que escreveu!!! Agora q tenho uma filha entendo perfeitamente tudo isso q vc aborda. Sempre tento as coisas na base da conversa e geralmente isso funciona (e olha que minha pequena tem apenas 1 aninho!), tenho certeza que se acaso a conversa ou o "cantinho do pensamento" não funcionarem, a palmadinha entra como último recurso e realmente vai doer mais em mim... Trabalhei com educacão de adolescentes e criancas e sinceramente, não sei aonde essa falta de limites vai parar!!!
    Uma vez ouvi que : "...falta de limites ás vezes, parece falta de afeto"!!!É para pensar...
    Um abraco, Thaís.

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