Há uma menina ao centro. Infanta Margarida aparenta pouca idade, e com seu olhar altivo, parece pertencer à figura, ou, melhor; parece refletir que é a própria figura. O resto é fundo. E mostra inclusive, o quão comum pode parecer uma tarde de sua vida sendo retratada. Suas amas ao redor, estão a servir-lhe. Uma flor no cabelo, o vestido rodado e principalmente sua postura, mostram sua grandeza. A ama
ao lado a oferece um copo d’água e se abaixa em expressão de humildade e consciência de ocupar um lugar abaixo na hierarquia. Há silêncio e mansidão. O cachorro dorme. Uma das meninas o afaga. Com o pé. Sinal de intimidade. Há um quadro na parede, de Rubens. Há dois que conversam, há alguém ao fundo; este parece conhecer o funcionamento do que acontece e supervisiona.
Este quadro, chamado “As meninas” foi pintado por ninguém menos que Velázquez. Está hoje no museu Del Prado em Madrid. E apesar de infanta Margarida ocupar o lugar central, o quadro leva este nome, pelas amas que estão a rodeá-la. O curioso do quadro é que Velázquez se auto-retrata. Está ali, no cantinho esquerdo, reparando na cena, e dando vida, contorno, luz, reproduzindo e tornando perpétua a obra.
Dizem que Velázquez se incluiu para mostrar seu valor enquanto artista.
Neste ponto, me pergunto quem é o personagem principal deste quadro.
Assim como Velázquez, pintamos nossos quadros todos os dias. Ele reproduzia o cotidiano, nós também. Pintamos vários quadros e o quadro de nossa vida. Numa pintura grande, pode ser por vezes sombria, por vezes clara. Com pessoas que entram e saem, que se curvam como as amas do quadro, e a quem prestamos reverência; por vezes figura, por vezes fundo, com muitas ou poucas cores. Por pintarmos, estamos do lado do espectador. Do lado de quem assiste e muitas vezes nos esquecemos de nos incluir na obra. Pintamos, investimos, desistimos, apagamos, borramos e isso tudo sem autoria. No entanto, quando a gente assume, erros e acertos, isso pode nos deixar mais livres, inclusive pra pintar outros quadros.
Eu sou a dona d’O Dono das Meninas.
Priscila Noro