quinta-feira, 20 de maio de 2010

O QUE QUEIMA NÃO SÓ O BUTANTAN

Desde pequena, sempre ouvi falar no Butantan. Como filha de professora, nomes como Piaget e Einstein eram comuns de serem ouvidos. No começo, não sabia muito do que se tratava, só entendia que era um lugar de conhecimento, o que o tornava sem dúvida, elitizado. Quando estava no pré, fui a uma feira de ciências e vi cobras, aranhas e escorpiões colocados em vidros com álcool, perpetuados para estudo, e apesar de não ser muito fã desses bichos, que não são fofinhos nem bons de apertar, achei o máximo. O apresentador do trabalho, disse que aquela era uma pequena amostra e que no Brasil, o lugar mais respeitado daquela categoria era o Instituto Butantan. Que legal! Ter no Brasil uma instituição tão famosa, conhecida no mundo todo, localizada no bairro que ganhou o mesmo nome pela importância e reconhecimento do instituto.
Hoje, com o incêndio que destruiu o acervo de répteis, lamento a perda da história. O que se perdeu, jamais será recuperado integralmente; é como o incêndio de várias bibliotecas, onde a riqueza de história e de informações se perde, com a diferença de que um livro pode ser reeditado. Com a perda das espécies, o que se perdeu, se perdeu. O incêndio agora entrou para a história, e este, jamais poderá ser apagado. O que vai permitir que o Butantan não fique “tan tan”, é a recuperação através do que foi dito sobre esse acervo, sobre cada espécie, sobre cada nome, sobre o que foi construído, o que vai fazer achar o fio desta meada toda e ir puxando, um de cada vez.
Assim somos nós. Os incêndios que nos queimam podem vir de palavras e atos praticados e presenciados por nós. “Quando eu era pequeno, isso...”, “quando eu era pequeno, aquilo... ”. O inconsciente é a soma dos efeitos da linguagem. O que nos tornamos vem do que escutamos, do que observamos, do que vivemos. Esses eventos criam traços em nossa vida que nos marcam com tanta intensidade que precisamos revivê-los, em forma de repetição, de atuação, de falação. E eles serão jamais, apagados. É o incêndio que entra pra história e deixa uma marca. É o traço que determina nossa maneira de agir, de pensar, de criar. E dependendo da forma como lidamos com ele, esse incêndio vai se apagando ou queimando cada vez mais. A diferença é que em nós, esse incêndio pode ser inesgotável, ele pode queimar durante anos e anos, e anos, e anos. Não é o tempo que apaga as marcas. Aliás, o tempo não apaga nem chama, nem incêndio, nem inconsciente. O que cicatriza uma marca é a elaboração, é o que a gente faz com aquilo. É o que deixa aquela chama, virar cinza. E que dali, a gente possa ressurgir, como Fênix.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

MÃE

Mãe, palavra doce, e certamente inesquecível. Ninguém esquece a própria mãe. É o primeiro Outro primordial, a que tem a nossa história nas mãos e que decide o que fazer com ela. Nossa história começa antes pelo desejo dela, o que ela sonhou pra gente, em que lugar nos coloca, refletido na escolha do nosso nome.
Ah, mãe... de todos os pacientes que escuto, impossível em algum momento da sua análise não trazer à tona esta palavra ao menos uma vez. Minha mãe isso, minha mãe aquilo... seja como for, ela sempre vai aparecer. Afinal, ela é responsável em parte pelo que nos tornamos.

Nos nove meses de espera, na idealização dos primeiros passos, em escutar a primeira palavrinha, e na torcida pra que seja “mamãe”... Muitas mulheres pensam e escolhem os parceiros imaginando se terão bons genes, mas a vontade de ser mãe, independe deste parceiro na maioria das vezes. O que a gente já sabe, desde que brinca com o bebê careca, é que queremos ser mães. O que a gente sonha mesmo é com o barrigão, imaginando como será o rostinho, em apertar os pezinhos, as mãozinhas, a barriguinha. E é nesse cuidado, que passa do puro cuidado para o que é prazeroso; onde a mãe investe de gozo o corpinho do bebê, quando ela também sente prazer nesse cuidado; é isso que faz com que a gente passe de um pedacinho de carne simplesmente e se transforme num ser humano que se arrepia quando passa um vento, que sente frio e calor, e mil e uma sensações. Não é a toa que em várias patologias, a sensação de corpo é diferente. Afinal, nascemos todos iguais, mas por que um sente arrepio aqui e outro ali, um atrás da cabeça, o outro na barriga, um sente coceguinhas na sola do pé, o outro, não...

É o quanto a mãe sonha com essa criança, é quando ela dá espaço pra que a criança possa se desenvolver sem sufocar demais nem cuidar de menos. Receita difícil, quer dizer, falta de receita, onde cada uma, na medida do sentimento e da história vai encontrando a identidade maternal. Talvez a receitinha básica venha do que a gente aprendeu com a própria mãe, e isso está implícito, inconsciente, marcado. Ah, e passaremos isso também inconsciente para os filhos, querendo ou não.
Uma oscilação entre o céu e o inferno, já dizia a frase: “ser mãe é padecer no paraíso”; imagino o inferno na longa espera de uma mãe pelo seu filho que saiu sem dar notícias, e o céu quando esse filho chega, sem nada de ruim ter acontecido; ou o primeiro sorriso desse filho direcionado pra mãe, o abraço apertado, ou quando finalmente ela escuta que a primeira palavrinha foi mesmo... “mamãe”. Mágica de poder inimaginável que faz tudo valer a pena.

O amor, cuidado, e o desejo da mãe é o combustível que transforma seres humanos em seres capazes, o comum em especial, o ordinário em extraordinário.
É então, do desejo que se trata. Do desejo dessa mãe, investido nesse filho que pode transformar toda uma realidade e a vida de cada um de nós; e que faz o feliz dia dos filhos retribuído em Feliz Dia das Mães.