Inauguro esta coluna, e a faço em primeira pessoa. Depois de meses pensando e sonhando com isso, não vou negar que o momento em que o desejo se realiza é sim um pouco conflitante também. O próprio desejo diz: “a hora é agora”, e a gente precisa lidar com isso. Não nego o meu desejo, aliás, já dizia Lacan, que se há algo pelo qual o sujeito possa se sentir culpado é por abdicar ao seu desejo. E isso não fiz, logo, sou julgada inocente e absolvida.
O desejo de escrever esta coluna surgiu, este ano, quando pensava eu em projetos para a minha vida, e comecei a me dar conta que durante nossa existência, muitas vezes, queremos algo, mas não desejamos. Deixamos de fazer “aquela”viagem porque falta tempo, falta dinheiro, mas mais ainda porque pensamos que o sonho pode esperar... entendemos assim: “se der, a gente faz”. A gente se coloca uma desculpa, uma imposição, um “deixa pra depois”. A gente diz que quer, porém, quando existe uma oportunidade, a gente coloca um empecilho. Isso tudo não é a toa, é difícil lidar com o desejo, afinal, o desejo simplesmente acontece, ele descontrola, ele não pára pra pensar ou perguntar. Aí, você pode me questionar: “mas vc nunca desejou alguma coisa?” e eu te digo: Querer é diferente de desejar. Querer faz parte da consciência e isso eu fiz sim, não nego, a vida toda. Quis entrar na faculdade, quis tocar piano, quis me apaixonar, quis ter sucesso. Mas sempre que queria, pensava: “humm... minha mãe gosta de piano”, “hummm, meus pais ficarão orgulhosos na minha formatura”, “hummm, meus amigos ficarão felizes”. Sim, sim, sim. O querer tem dessas coisas: satisfazer primeiro os outros e depois a si mesmo. O desejo é diferente; mais egoísta é bem verdade, porém mais sincero. O desejo simplesmente acontece. Ao invés de dizer: “quero me apaixonar, digo simplesmente: “me apaixonei”, ao invés de querer controlar todas as coisas, levar tudo em consideração, o desejo tira tudo do controle, tudo que estava em seu “devido” lugar e leia-se aqui “devido” de “dever”, e é isso que desestrutura totalmente quando o desejo entra em cena. Tudo sai do lugar, tudo muda de valor.
Não pensem vocês que escrever para este jornal passou só pela via do desejo... não, o “querer” apareceu e fez marca. Ele me dizia: “você quer, mas tem certeza? “, “olha lá... é de grande responsabilidade...” blá blá blá... Isso não quer dizer que o querer não deva ser levado em conta, porém, neste caso, só me fez paralisar. Por isso hoje, inauguro esta coluna como alguém que corta uma fita; como um marco, como um nascimento. O nascimento de alguém que quis e que assim, manteve seu desejo sob controle, mas que deixa hoje, seu prisioneiro livre. Seja qual for a pena que esse prisioneiro deva ter cumprido, seu pecado não deve ter sido assim, tão mal, afinal, não pegou perpétua, e por fim das contas, prefiro carregar a culpa de soltar um prisioneiro, do que de ceder ao meu desejo mais uma vez e me aprisionar ao querer que me dá mais o chão do que asas. Mas afinal de contas, quem tem asas, pode voar e quem voa, vê tudo do alto, vê as cidades pequenas, mas o mundo, imenso. Quem voa, quer mais. Quem voa sente o frio na barriga quando impulsiona, corre pra pegar embalo, porém conhece a mesma coisa de outro jeito. Conhece a mesma cidade com outros olhos, os olhos de quem vê tudo do alto. E depois que conhece, não consegue mais voltar... e você, é pássaro ou rastejante? Tem asas ou 1000 perninhas como uma centopéia? Vive ou sobrevive? Encara ou foge? Se liberta ou se aprisiona?
Seja qual for a sua resposta, lembre: a águia voa, voa alto, e mesmo assim, ainda pode caminhar, mas a centopéia mesmo com aquela infinidade de pézinhos, o que lhe resta é o chão e mesmo que se impulsione bastante, jamais poderá voar, nem de carona!
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