quinta-feira, 29 de outubro de 2009

LOUCO DE CARTEIRINHA

Você pode não acreditar, mas hoje, existem os loucos de carteirinha. Não, não é figurativo, é concreto. Pessoas com transtornos mentais hoje, podem pedir uma carteirinha de identificação que as rotula como transtornados.
Fulano de tal, bipolar. Siclano de tal, pânico.
Tudo tem seu lado bom. Como não é qualquer pessoa que pode identificar uma doença assim, isso facilita e pode evitar transtornos (outros); porém, com tantos rótulos e nomeações, fico me perguntando até que ponto o transtornado é ou não, transtornado.
A onda do momento é a bipolaridade. Se você tem dias tristes e outros felizes, não dá outra. Bipolar. É claro que somos bipolares. Oscilamos o tempo todo entre os pólos. E não são só dois.
Caso ou separo, azul ou amarelo, medicina ou engenharia, São Paulo ou Recife, PT ou PSDB, um filho ou dois. Somos cindidos. Vamos de um extremo ao outro, inevitavelmente bipolares, tripolares, quadripolares. O fato é que adoramos um rótulo pra não ter que se a ver com nada disso.
Não raro é escutar pessoas com um sorriso bem grande falando bem alto do seu sintoma.
- Sabe... eu sou bipolar!
Só falta o “oba” do final.
O fato de falar que SOU, é que é o problema. Isso engessa. Cria raízes, paralisa. O doente que sofre do seu sintoma não quer ver isso como permanente, pelo contrário, pode dizer: “estou”, não “sou”.
Claro que existem aqueles que são. Fim de papo. Sua lógica é diferente, seu sentir é diferente, as sensações são diferentes, seu corpo é diferente. São tantos os transtornos hoje em dia que não é por menos que o DSM, Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais tem aquele tamanho todo. No entanto, lidamos hoje com uma gama muito maior de doentes mentais, os que se encontram pra fora dos muros dos hospitais psiquiátricos, são os comuns, os que trabalham, os que tem vida social, os “gente como a gente”, e pasme você, são esses que estão gostando dos rótulos.
O imperativo hoje é de ser feliz, e parece que qualquer desconforto em relação a isso, é um problemão. Quando cumprimentamos alguém, por exemplo, falamos:
- Tudo bem?
- Tudo, tudo, não está. Tenho problemas na família, minha casa está desmoronando, não tenho ninguém pra me ajudar, me sinto só, perdi o sentido... mas claro, vou dizer que está tudo bem.
Perdemos a suportabilidade de escutar que alguém não está bem. Queremos que esteja, queremos ouvir: “sim, tudo bem”.
De carteirinhas ou não, todos temos nossos dias loucos. Dias em que nem tudo está bem. A diferença é que com rótulos, a gente se acomoda, fica lá, marcadinho, selado. E quando tudo fica assim, muito marcadinho, a força que a gente tem que fazer pra mudar, é muito maior. É desengessar. Então, a gente que ainda está do lado de cá, talvez ainda possa contribuir e falar: estou, não sou. Tenho problemas, mas luto contra. E se for pra engessar, que seja a perna, e não o cérebro.

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