sexta-feira, 27 de novembro de 2009

VIAJANDO A VIAGEM

Quando a gente viaja, muda de lugar; óbvio.

Não tão óbvio assim é que, quando a gente viaja, muda de lugar subjetivo, muda de ponto de vista, e isso faz diferença.

Se estou no meu país, quem vem me perguntar coisas do tipo: “aonde fica isso?”, “em que rua fica tal ponto?”, penso: “nossa, que óbvio”, é claro que tal ponto é em tal lugar, é claro que a capital do Brasil é Brasília, é claro que no Rio de Janeiro tem o Pão-de-Açúcar, é claro que em São Paulo tem o Tietê. Mas quando estou em outro país, até o mais óbvio, pode parecer diferente. E é.

Quem é o representante político? Qual a capital? Como chego até lá? Sim, até o que é mais óbvio parece não tão óbvio agora. Sou estrangeiro, não sei exatamente onde estão as coisas, não acompanho de pertinho, não sei dos detalhes. Lembro bem de quando vi o Big Ben pela primeira vez. Todo mundo sabia que estava lá, mas quando eu descobri, foi a maior descoberta, e a minha expressão na foto não me deixa mentir o fantástico mundo que tinha acabado de desvendar. Eureka.

A gente muda sim. As coisas mudam de lugar, a gente muda junto; e um dos grandes baratos de embarcar na viagem é se permitir um pouco do que vou chamar aqui de “arriscação”. Você precisa perguntar alguma coisa, não tem jeito. Pra isso, a gente fala, gesticula, faz sons (que podem ser das coisas mais variadas possíveis), do tipo, se você quer dizer que o telefone está ocupado e não sabe isso em alemão, fala simplesmente: “das telephonen... tu tu tu...” não dá outra, todo mundo entende.
A arriscação tem dessas coisas, a gente tem que tentar. Não sabe todas as palavras da frase? Ah... Não tem problema, se não sabe tudo, faz o começo, emenda no final e no meio... Ah, no meio a gente inventa e tudo dá certo. Um dos baratos da arriscação é que, dependendo da língua, as pessoas podem entender mais ou menos o que você fala, (porque a língua que estão falando também não é a língua-mãe dela), e depois podem até falar de você (bem ou mal) na sua frente, sem você ter a mínima ideia. Não tem problema. Talvez seja essa a diferença quando a gente não sabe, não se ofende e está tudo certo. Tudo faz parte da arriscação.

Tem gente que viaja, mas não viaja a viagem. Insiste em fazer tudo igualzinho ao que faz no país onde é cidadão. A comida é diferente; coisas que você nunca viu, mas que se recusa a experimentar. Não que a gente tenha que experimentar gatinhos e cachorrinhos como na China, mas, se o diferente não fere os princípios, o bacana é fazer arriscação até na comida. O máximo é a gente não gostar. Tem gente que está lá do outro lado do mundo e insiste em comer fast food (com direito à batata frita igualzinha a do shopping a cinco minutos da sua casa). Adoro batata frita, mas o bacana de ir pra outro lado do mundo é experimentar o que é típico, diferente, único de lá. Acredite, até a receita tradicional, com os temperos típicos de uma região, fica totalmente novo.

Tem gente que só come lá o que tem aqui; efeito da globalização... Negação da diferença. A mesma batata frita de lá pode ser encontrada aqui, mas e aí, qual a graça? Tem gente que não experimenta. Nem pra dizer que não gostou.

Quando a gente viaja a viagem, viaja na viagem. Embarca de corpo e de alma. Se entrega, se permite. Viaja no tempo cronológico, com direito a alteração de fuso horário, e viaja no tempo lógico, com direito a pensar pelo menos um pouquinho do jeito que aquele povo também pensa. Viajar na viagem exige arriscação, mas acabei de me dar conta que arriscação... rima também com satisfação.

Nenhum comentário:

Postar um comentário