quinta-feira, 14 de outubro de 2010

O RESGATE IMAGINÁRIO

Hoje, os mineiros estão sendo resgatados.
Depois de sessenta e nove dias de pesadelo, sem a luz do sol, sem os familiares, sem a rotina de antes, um a um, começam a vir para a superfície.

Saem de lá com óculos de sol potentes; porque desacostumaram com a luz do sol, e diga-se de passagem, a gente se acostuma com a escuridão. E isso vale de metáfora. Quantas vezes somos tomados pelos infortúnios da vida, que não são poucos, que esperamos que o próximo evento, será novamente uma cacetada. Quem já não viu um cachorro na rua, que quando nos aproximamos, sai correndo, esperando que vamos enxotá-lo. Já está tão acostumado a ser maltratado, e mal-tratado, que qualquer aproximação, ele vê como ameaça. Nos acostumamos com a escuridão.

No entanto, a escuridão da mina, faz com que cada um tenha que contribuir com sua própria luz. Os grupos são complementares. E estou doida pra saber as táticas que eles inventaram lá embaixo para sobreviver. Um deve ter assumido o lugar de líder do grupo, o outro, de ajudante, o outro, de jogador, o outro de esportista, o outro, de mal-humorado, e que trouxesse desse modo, assunto para os demais, e assim, passaram e sobreviveram a esta prova agonizante.

Viva o Imaginário. Discutia com minha irmã, por estes dias, sobre o valor deste registro na nossa estrutura. Sem o Imaginário, viramos pó, padecemos, psicotizamos. Quando enfrentamos um desafio, se o Imaginário não der conta, se a gente não tiver recurso pra acreditar, pra visualizar, pra preencher, (imaginariamente) nossa falta, ficamos à beira do abismo, surtamos. O Imaginário é, portanto, o próprio resgate. O que nos tira da REALidade muitas vezes insuportável; o que nos permite dar um passo a mais, mesmo sem a menor garantia. Acreditar no encontro, como dizia Vinícius... que “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”. Desencontro, depois do encontro, mesmo depois de perdido, mas resgatado.

Quando estamos lá embaixo, no próprio abismo, se não tivermos esse recurso, que enlaça, que se junta com o simbólico, perdemos o rumo, o eixo, a estrutura. Ficamos perdidos, mesmo achados; na escuridão, mesmo no claro; enterrados, mesmo na superfície. Nos acostumamos com a escuridão. E ela toma conta, se não tomarmos conta dela. Apagar a luz, mas depois acendê-la. Nem que imaginariamente.

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