quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

ANO NOVO, DESEJO NOVO

Adeus ano velho, feliz ano novo... que tudo se realize, no ano que vai nascer, muito dinheiro no bolso, saúde pra dar e vender!

É, não é a toa que essa musiquinha insiste em comparecer todo ano às vésperas de um novo ano. Então, será que ela é desejo? Porque se eu quero que tudo se realize, mas no ano seguinte continuo cantando, quer dizer que não realizei, certo? Ou será que ela é um simples dito pra que a gente não perca as esperanças? Por que será que nunca estou completamente satisfeito com o que me ocorre?

Se comprei um carro bom este ano, no ano que vem quero outro, quero dois, quero mais. Se conquistei a casa dos meus sonhos, ano que vem quero reformá-la, colocar novas cortinas, novos móveis, cara nova. Perpétua e insaciável insatisfação. O desejo pode aparecer inalcançável num primeiro momento; aí eu luto, luto, luto e o consigo. E quando consigo, digo: “puxa, não era bem isso”. Mau encontro, sempre.

Que bom que é assim. Já imaginou se a gente se aquietasse com um brinquedinho novo? Ou se, por curtir o filho pequeno, desejasse que ele jamais crescesse? Ou, por saber que a gente vai ter trabalho limpando a cozinha, não chamasse os amigos pra fazer a festa? Bendito laço esse que permite que pelo menos por alguns instantes, eu acredite que aquele encontro vai me fazer bem, vai me deixar melhor, vai contribuir, vai saciar. Pior seria se a gente falasse: “bom, já que não é isso que vai resolver, então, não vou nem investir, vou ficar na minha, vou tocar o barco, não vou depositar esperanças já que elas são vãs”. Que dificuldade de encarar o vão, o simples, o sem objetivo imediato. Parece que durante tanto tempo vivemos em busca de algo como trabalhar para ganhar dinheiro, conversar para conseguir alguma conclusão, dirigir para chegar; que esquecemos que vivemos... para morrer.

Ano velho, quase começo do novo, hora de fazer uma retrospectiva, e não aquela que já vem pronta na televisão. Hora de pensar no que não gostei do ano velho e do que não quero repetir no ano novo. Objetivo de novo? Sim, mas vamos combinar que este talvez seja mais proveitoso. E que talvez esse sim, tenha um propósito menos proposital. O propósito de me deixar aproveitar mais a jornada, porque o destino... bom, dele falamos, algumas linhas antes. Sabemos aonde acaba o destino da vida. E o que é o propósito dela, se não o de deixar o desejo aflorar e permitir novos enlaces, novos maus encontros, novos êxtases, nem que sejam por um momentinho só?

Que a gente conquiste não o que quer, mas o que deseja. E com isso, termino este ano, com o mesmo tema em que inaugurei esta coluna. A diferença entre o querer e o desejar. Que o que aconteça no ano novo, seja da ordem do desejo, aquilo que eu não controlo, aquilo que simplesmente aparece porque é verdadeiro.

Afinal, querer não é poder, mas desejar é.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

FELIZ LOUCURATAL

O tempo é de festa. A época mais esperada do ano. É natal!

Tempo de descanso, reflexão e nostalgia. Tempo de pensar no que passou, no que se fez, no que virá. Tempo de festejar com a família, de aproveitar os momentos juntos, tempo de pensar em quem fez ou não diferença. Religioso ou não, natal é natal, e o que a gente aprende é que é tempo de valorizar as pessoas.

Estranho? Fora da realidade? Utopia?

Enquanto escrevo essas linhas, penso no quanto isso está distante da nossa realidade. Semana passada, fui ao shopping. Além de enfrentar um trânsito infernal, parado no calor de pleno dezembro; filas e mais filas, lugares excassos para estacionar, empurrões, correria, obrigações. Em nada isso parecia com a descrição do natal das primeiras linhas; ao invés de um feliz natal, parecia mais uma loucuratal.

Quando pequena, não vou negar, esperava ansiosa o natal chegar, adorava os presentes! Mas tudo isso era feito em família; o jantar, a arrumação, e é claro que as crianças estavam preocupadas absolutamente com a chegada do bom velhinho, e ele sempre chegava! Às vezes era um amigo de família, às vezes algum tio, às vezes o vovô, mas ele sempre vinha; o bom velhinho não falhava jamais! É natural que as crianças pensem no papai-noel às vésperas das festas e tudo o mais. É alegre, é contagiante, é bom. Mas é um presságio. Já que na infância, a gente aprende tudo através mundo concreto, aquele que se pode pegar, que seja assim; através de presentes, pra que a gente se dê conta depois do verdadeiro significado, que exige mesmo, certa abstração.

O fato é que os adultos parecem também estar embarcando nessa. O importante é ter. Quanto mais se compra menos a gente pensa, então; compremos. O vazio é ruim demais de suportar, então a gente enche os dias de afazeres, mesmo que eles já tenham terminado.

O comércio é imperativo: compre, compre, compre. Gaste, gaste, gaste. Quanto mais você gastar, mais pontos vai acumular pra ganhar um “não-sei-o-que”. Compre, compre, compre. Parcele, parcele, parcele; não esqueça, não esqueça, não esqueça. Com o ano todo, aprendemos a ser objetivos, a mostrar resultados, a não perder tempo. E quando chega o natal, estamos tão loucos com a famosa correria de dezembro que quando as coisas acabam, encontramos ainda mais motivos para não parar. Como robozinhos, seguimos na sedução das propagandas e nos hipnotizamos com a promessa de que quanto mais temos, menos vazio sentimos.

Fico me perguntando, se no meio disso tudo, a gente sabe mesmo o que fazer com uma tarde vã. Aquela, em que o trabalho acabou, quando sobra algum tempo pra gente parar um pouco... parar e curtir o entardecer, abraçar sem que seja em troca de um presente, abraçar por abraçar, conversar por conversar, rir por rir. Esses momentos em que a gente fica curtindo, um bate-papo, um carinho, um olhar.

Que o natal seja mais natal e menos louco. Que a gente possa aproveitar um pouquinho que seja aquelas coisas que não se podem comprar, nem com mastercard.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

TIC SUÍÇO, TAC PESSOAL

Ah, os suíços! Se um suíço fala que estará na frente da sua casa às 17h34, acredite: ele estará. Não é a toa que a fama é mundial e que os relógios suíços são conhecidos globalmente. O tic-tac de lá funciona mesmo, sim senhor. Parece impossível, mas a precisão é precisamente precisa. Se pego um ônibus na Suíça que diz que às 13h54 estará em tal ponto, pode apostar: dito e feito.

Pensando bem, o tic-tac de lá é o mesmo tic-tac daqui. O tempo cronológio é sempre o mesmo. Todo dia tem 24 horas, todo ano tem 365 dias e a cada 4 anos tem o ano bissexto. Pra todo o mundo, as horas têm 60 minutos, não interessa se aqui está amanhecendo mais cedo e escurecendo mais tarde, se os dias estão mais curtos como no inverno ou mais longos como no verão. O cronos é suíço, brasileiro, americano, africano, tailandês.

Tem pessoas que vivem no compasso como o tic-tac de um relógio.

Com 2 entram na escolinha, com 7 na primeira série, com 17 terminam o terceirão, ainda entram na faculdade, com 22 se formam, com 27 casam. Com 29 tem o primeiro filho, com 30 compram a primeira casa; tic-tac, tic-tac.

Mas tem coisas na nossa vida que não podem ser cronometradas com toda essa precisão. Existe um tempo lógico dentro de nós que anda em outro compasso, e nada tem a ver com o tic; talvez com o tac. Professores de pré-escola sabem muito bem disso. Ensinam as letrinhas aos baixinhos, ensinam a formação de sílabas, e lá vem uma palavra inteira. Ótimo. Mas podem perguntar pra eles; alguns aprendem antes, outros depois. Famoso “insight”. O resultado de alcançar a íntima natureza das coisas ou de perceber de uma maneira intuitiva. Algumas crianças entram na pré-escola já sabendo algumas palavrinhas; outras, só terminando o ano. E o conteúdo dado na escola foi o mesmo. O mesmo tic, não o mesmo tac. Tac, famosa iluminação, eureka, estalo!

O tempo cronológico angustia. Quantas vezes falamos pra nós mesmos “o tempo está passando”, e como todo mundo sabe, mas que a gente custa a aceitar, ele não volta. Nunca mais. E como o ponteiro do relógio, não adianta segurar. É imperativo. Ele passa, queira você ou não.

Nosso tempo lógico opera diferente. É a assimilação das partezinhas que um dia se juntam, e, quando se juntam, TAC! É quando a gente pode ver as coisas com mais clareza, quando percebe o que estava obscuro, quando compreende e conclui. Lembra do livrinho “Onde Está o Wally?”, tudo parece confuso, uma miscelânia de informações e, de repente, o Wally aparece no meio de tudo aquilo. Uma vez visto, não se esquece jamais. Você pode olhar pra página várias vezes, tentar se confundir de novo, mas não; uma vez percebido, você sabe que jamais poderá se enganar achando que ele não está lá onde achou. Ele surge como uma pipoca estourada no meio de um monte de grãozinhos.
Cada um tem um tempo pra achar o seu Wally. Pra alguns pode parecer mais óbvio, para outros, mais escondido. Mas ele está sempre lá. Esperando meu instante de ver, o meu tempo para compreender e o meu tempo de concluir.
O tic é do outro; o tac é meu.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

ALE, SEM MANHA

A Alemanha é um país conhecido pela organização. E de fato, são organizados mesmo. Gostam de uma boa cerveja (também são conhecidos por isso), e são trabalhadores. Conhecida como uma grande potência, participou das duas Grandes Guerras. A primeira, foi motivada entre outras razões; pela partilha de terras da Ásia e África. A Alemanha, no entanto, sentiu-se prejudicada pela divisão, pelo pouco que havia recebido, e decidiram que queriam mais território e igualdade; foi assim que Alemanha, sem manha nenhuma, se colocou na linha de frente contra uma situação que não concordava. Decidiu ir à luta.
É claro que a guerra, de fato, deixa muitas cicatrizes. Mortes, sofrimento, questionamento da justiça. Mas se tem algo que você pode ver quando vai à Alemanha, são as marcas que a luta imprimiu neste povo. Quando existe guerra, as pessoas são obrigadas a se unir, a lutar pelos seus ideais, a se ajudar, a se a ver com suas fraquezas e seguir em frente, encarar os pontos fracos, mas também, potencializar os fortes.
Muito se aprende com a luta. Ela deixa marcas. Não se passa impune, todos se deixam cindir. E é essa cisão que pontua, que coloca as coisas nos seus devidos lugares, que posiciona, que mostra o caminho, que norteia.
A Alemanha é a terceira economia do mundo. O que prova que é o tamanho da força e não do território que faz a diferença. Ela sabe das suas fronteiras, sabe que não é tão grande. No entanto, é por causa dessas fronteiras, que eles sabem que o que está fora, está fora; mas o que está dentro, está dentro pra valer. Sabem o que tem e o que fazer com o que tem. Quando se vai à Colônia, uma cidadezinha bonitinha de lá, dá pra se ver uma igreja que tem mais de 700 anos, e demorou mais de 600 para ser completada. Com as guerras, parte dela foi destruída. No entanto, no mesmo momento em que a guerra terminou, a reconstrução começou. Ela sobreviveu; à primeira e à segunda. Até hoje, ela é sempre cuidada e reformada, a construção é contínua. Assim como é a gente. Assim como é a vida de quem luta. De quem sem manha corre atrás, de quem sabe que a reconstrução pode não acabar, mas que mesmo assim, sabe que desistir sim, é acabar de vez. É aí que está a sua inteireza.
Muitas vezes, temos que nos deixar cortar, cindir, machucar. Nada fácil. No entanto, são esses cortes, que quando cicatrizam, fazem com que a gente saiba por onde caminhar. É com a queda do muro, como o de Berlim. Antes, a Alemanha dividiu-se em duas. Divisão física, visível, palpável. Cisão. Mas com a queda do muro, ela voltou a ser uma só. Coesa.
Lembro então de uma frase da Cecília Meireles que diz: “aprendi com a primavera e me deixar cortar para poder voltar sempre inteira”. Quando a gente se deixa cindir, a gente renuncia; renuncia um caminho, o caminho que deixou; abre mão. Mas o caminho que a gente escolhe pra trilhar, pode ser muito mais claro. O que ficou pra fora, ficou fora mesmo, não adianta mais chorar; mas o que restou, é a sua propriedade, é o próprio, é o meu, o meu de verdade, e posso fazer com ele, o que aprendi com a queda, e do que restou; me reconstruo. Afinal, é em torno da falta que a gente se funda, e sabendo o que se perdeu, a gente sabe também, o que ganhou.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

É LONDRES, MEU BEM!

Londres é uma cidade cosmopolita. Na rua você encontra londrinos, indianos, nova iorquinos, brasileiros, italianos. Todo mundo fala inglês, e todo mundo fala inglês com seu próprio sotaque. Tudo bem. Acentos à parte, a gente se entende.
Londres é também a sede de vários pontos turísticos incríveis. A começar pela própria cabine telefônica, que eu considero um ponto turístico especial, encontrada em cada esquina de Londres, mas conhecida em todo o mundo. Sim, é aquela cabininha vermelhinha, com vidro em moldura retangular. Fofa. Londres tem também uma forte influência na política, finanças, educação, entretenimento e mídia, e é em Londres que estão sediadas também as mais importantes empresas da Inglaterra. Ah, sem contar a rainha... que traz sempre um glamour a mais para a cidade. Mas apesar de todos estes atrativos, o que me levou a Londres dessa vez, não foi a rainha ou o Big Ben. O que me levou a Londres dessa vez foi uma pessoa. Uma pessoa muito especial, que me conhece desde que eu nasci. É legal falar isso. É interessante também. Será que a pessoa que conhece a gente desde que a gente nasce nos conhece melhor do que a gente mesmo? Talvez sim, talvez não.
Tem pessoas que nos conhecem melhor do que a gente. E tem pessoas que só de nos ouvirem, escutam melhor do que a gente o que está passando na nossa cabeça. Quando a gente está envolvido em algum problema, ou situação, às vezes não consegue enxergar muito bem o que se passa. Ficamos à mercê. À mercê dos sentimentos, à mercê das relações. À mercê do lugar que ocupamos, simplesmente (ou não tão simplesmente assim), à deriva. Em Londres, aconteceu uma coisa que mudou a vida da pessoa que me conhece há tanto tempo. Em Londres, ela conheceu alguém, e ficou à deriva. Alguém que mudou a vida também por causa da pessoa que me conhece. Confuso, né? Bom, pra resumir, eles mudaram suas vidas porque se conheceram.
Interessante como tem coisas na vida que escapam do nosso controle. A história desse casal, que se conheceu em Londres, começou por acaso, como eles mesmos contam, sem a menor pretensão de acontecer. E isso me lembra aquela música do Lulu, que diz: “eu gosto tanto de você que até prefiro esconder, deixo assim ficar, subentendido... como uma idéia que existe na cabeça e não tem a menor pretensão de acontecer”. Talvez tenha sido assim. Sem a menor pretensão de que aquele simples cumprimento, que aquela simples conversa fosse virar amor. E assim, continua a música com a parte: “pode até parecer fraqueza, mas que seja fraqueza, então... a alegria que me dá isso vai sem eu dizer”. Acho que é assim que eles se sentem. Porque o que nos acomete como sentimento, foge ao controle. Londres pra eles, tem um lugar muito especial no coração, o que acaba chamando pra lá, muitos que estão envolvidos com eles, afinal, foi lá, que o inesperado sem pretensão aconteceu, mas a diferença, é que podia ser Londres, podia ser Nova Yorque, podia ser a Índia. Pra eles Londres pode mudar, mas o “meu bem”, não.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

VIAJANDO A VIAGEM

Quando a gente viaja, muda de lugar; óbvio.

Não tão óbvio assim é que, quando a gente viaja, muda de lugar subjetivo, muda de ponto de vista, e isso faz diferença.

Se estou no meu país, quem vem me perguntar coisas do tipo: “aonde fica isso?”, “em que rua fica tal ponto?”, penso: “nossa, que óbvio”, é claro que tal ponto é em tal lugar, é claro que a capital do Brasil é Brasília, é claro que no Rio de Janeiro tem o Pão-de-Açúcar, é claro que em São Paulo tem o Tietê. Mas quando estou em outro país, até o mais óbvio, pode parecer diferente. E é.

Quem é o representante político? Qual a capital? Como chego até lá? Sim, até o que é mais óbvio parece não tão óbvio agora. Sou estrangeiro, não sei exatamente onde estão as coisas, não acompanho de pertinho, não sei dos detalhes. Lembro bem de quando vi o Big Ben pela primeira vez. Todo mundo sabia que estava lá, mas quando eu descobri, foi a maior descoberta, e a minha expressão na foto não me deixa mentir o fantástico mundo que tinha acabado de desvendar. Eureka.

A gente muda sim. As coisas mudam de lugar, a gente muda junto; e um dos grandes baratos de embarcar na viagem é se permitir um pouco do que vou chamar aqui de “arriscação”. Você precisa perguntar alguma coisa, não tem jeito. Pra isso, a gente fala, gesticula, faz sons (que podem ser das coisas mais variadas possíveis), do tipo, se você quer dizer que o telefone está ocupado e não sabe isso em alemão, fala simplesmente: “das telephonen... tu tu tu...” não dá outra, todo mundo entende.
A arriscação tem dessas coisas, a gente tem que tentar. Não sabe todas as palavras da frase? Ah... Não tem problema, se não sabe tudo, faz o começo, emenda no final e no meio... Ah, no meio a gente inventa e tudo dá certo. Um dos baratos da arriscação é que, dependendo da língua, as pessoas podem entender mais ou menos o que você fala, (porque a língua que estão falando também não é a língua-mãe dela), e depois podem até falar de você (bem ou mal) na sua frente, sem você ter a mínima ideia. Não tem problema. Talvez seja essa a diferença quando a gente não sabe, não se ofende e está tudo certo. Tudo faz parte da arriscação.

Tem gente que viaja, mas não viaja a viagem. Insiste em fazer tudo igualzinho ao que faz no país onde é cidadão. A comida é diferente; coisas que você nunca viu, mas que se recusa a experimentar. Não que a gente tenha que experimentar gatinhos e cachorrinhos como na China, mas, se o diferente não fere os princípios, o bacana é fazer arriscação até na comida. O máximo é a gente não gostar. Tem gente que está lá do outro lado do mundo e insiste em comer fast food (com direito à batata frita igualzinha a do shopping a cinco minutos da sua casa). Adoro batata frita, mas o bacana de ir pra outro lado do mundo é experimentar o que é típico, diferente, único de lá. Acredite, até a receita tradicional, com os temperos típicos de uma região, fica totalmente novo.

Tem gente que só come lá o que tem aqui; efeito da globalização... Negação da diferença. A mesma batata frita de lá pode ser encontrada aqui, mas e aí, qual a graça? Tem gente que não experimenta. Nem pra dizer que não gostou.

Quando a gente viaja a viagem, viaja na viagem. Embarca de corpo e de alma. Se entrega, se permite. Viaja no tempo cronológico, com direito a alteração de fuso horário, e viaja no tempo lógico, com direito a pensar pelo menos um pouquinho do jeito que aquele povo também pensa. Viajar na viagem exige arriscação, mas acabei de me dar conta que arriscação... rima também com satisfação.

VIAJANDO A VIAGEM

Quando a gente viaja, muda de lugar; óbvio.

Não tão óbvio assim é que, quando a gente viaja, muda de lugar subjetivo, muda de ponto de vista, e isso faz diferença.

Se estou no meu país, quem vem me perguntar coisas do tipo: “aonde fica isso?”, “em que rua fica tal ponto?”, penso: “nossa, que óbvio”, é claro que tal ponto é em tal lugar, é claro que a capital do Brasil é Brasília, é claro que no Rio de Janeiro tem o Pão-de-Açúcar, é claro que em São Paulo tem o Tietê. Mas quando estou em outro país, até o mais óbvio, pode parecer diferente. E é.

Quem é o representante político? Qual a capital? Como chego até lá? Sim, até o que é mais óbvio parece não tão óbvio agora. Sou estrangeiro, não sei exatamente onde estão as coisas, não acompanho de pertinho, não sei dos detalhes. Lembro bem de quando vi o Big Ben pela primeira vez. Todo mundo sabia que estava lá, mas quando eu descobri, foi a maior descoberta, e a minha expressão na foto não me deixa mentir o fantástico mundo que tinha acabado de desvendar. Eureka.

A gente muda sim. As coisas mudam de lugar, a gente muda junto; e um dos grandes baratos de embarcar na viagem é se permitir um pouco do que vou chamar aqui de “arriscação”. Você precisa perguntar alguma coisa, não tem jeito. Pra isso, a gente fala, gesticula, faz sons (que podem ser das coisas mais variadas possíveis), do tipo, se você quer dizer que o telefone está ocupado e não sabe isso em alemão, fala simplesmente: “das telephonen... tu tu tu...” não dá outra, todo mundo entende.
A arriscação tem dessas coisas, a gente tem que tentar. Não sabe todas as palavras da frase? Ah... Não tem problema, se não sabe tudo, faz o começo, emenda no final e no meio... Ah, no meio a gente inventa e tudo dá certo. Um dos baratos da arriscação é que, dependendo da língua, as pessoas podem entender mais ou menos o que você fala, (porque a língua que estão falando também não é a língua-mãe dela), e depois podem até falar de você (bem ou mal) na sua frente, sem você ter a mínima ideia. Não tem problema. Talvez seja essa a diferença quando a gente não sabe, não se ofende e está tudo certo. Tudo faz parte da arriscação.

Tem gente que viaja, mas não viaja a viagem. Insiste em fazer tudo igualzinho ao que faz no país onde é cidadão. A comida é diferente; coisas que você nunca viu, mas que se recusa a experimentar. Não que a gente tenha que experimentar gatinhos e cachorrinhos como na China, mas, se o diferente não fere os princípios, o bacana é fazer arriscação até na comida. O máximo é a gente não gostar. Tem gente que está lá do outro lado do mundo e insiste em comer fast food (com direito à batata frita igualzinha a do shopping a cinco minutos da sua casa). Adoro batata frita, mas o bacana de ir pra outro lado do mundo é experimentar o que é típico, diferente, único de lá. Acredite, até a receita tradicional, com os temperos típicos de uma região, fica totalmente novo.

Tem gente que só come lá o que tem aqui; efeito da globalização... Negação da diferença. A mesma batata frita de lá pode ser encontrada aqui, mas e aí, qual a graça? Tem gente que não experimenta. Nem pra dizer que não gostou.

Quando a gente viaja a viagem, viaja na viagem. Embarca de corpo e de alma. Se entrega, se permite. Viaja no tempo cronológico, com direito a alteração de fuso horário, e viaja no tempo lógico, com direito a pensar pelo menos um pouquinho do jeito que aquele povo também pensa. Viajar na viagem exige arriscação, mas acabei de me dar conta que arriscação... rima também com satisfação.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

VOAR

Adoro voar.
Quando eu era pequena, adorava imaginar como seria voar de avião.
A primeira vez que voei, não estava nem preocupada com o destino, aonde seria, quanto tempo levaria, fuso horário, moeda estrangeira... eu só queria voar. Claro que esta parte toda, quem fez foi minha irmã, que já tinha voado de avião e que estava sim, preocupada com o destino, cumprindo exatamente sua função de irmã mais velha; mas eu... queria só, e quase que exclusivamente, voar. E olha que eu estava indo para a querida Buenos Aires, mas pra mim, não fazia muita diferença. Quando chegamos no destino, levei tudo que tinha direito de dentro do avião. Queria ter uma recordação (diga-se de passagem, do vôo). Levei tudo: revista, cobertorzinho... achei o máximo. E foi.
Quando pequena, não entendia muito como os aviões conseguiam levantar vôo, (não que agora eu seja uma expert), mas achava incrível como um negócio daquele tamanho, muito maior que um ônibus (que para mim, na época, já era grande), conseguia ir parar nos ares.
E até hoje, continuo achando super legal.
Confesso, adoro sentar na janelinha. Às vezes, fico pensando que fico um pouco criança quando viajo de avião. Adoro sentir. O avião tá parado, de repentem ele avisa que vai decolar. Lá vem a aeromoça. Hoje em dia elas não fazem mais toda aquela ginástica que presenciei da primeira vez, mas elas ficam ali, checando, até virem os avisos:
- Atar os cintos de segurança, bancos na vertical.
Motores prontos, ele anda, começa a correr, embala, embala, embala..... e decola. A-DO-RO.
Quando o avião está para decolar, me dá aquela sensação de quando a gente quer alguma coisa e tem determinação, quando a gente corre atrás e então embala, embala, embala e também decola.
De repente, tudo começa a mudar. O que antes a gente só vê uma face, começa agora rapidinho a parecer distante, dá pra ver a cidade de cima, e tudo começa a ficar pequenininho...
E as núvens...
Ah! As núvens... Queria acreditar que se a gente se jogasse lá de cima, cairia em cima das núvens, e elas são tão fofinhas! Seria como cair em cima de um grande tapete, mais macio que algodão. E o céu, é sempre azul... mesmo que você decole com chuva... poque depois que você passa dela, tudo clareia. Não importa qual o seu destino. O céu, é sempre azul. E é bom se lembrar disso, sempre.
Hoje, me preocupo mais com o destino do que com a viagem, me preocupo se vai estar frio, me preocupo em usar uma roupa confortável pra andar bastante, o que preciso saber antes de ir aos passeios, me preocupo com os passeios, com os pontos que quero visitar, me preocupo com o que fazer, que livro ler durante o tempo em que estarei ociosa. É muito bom se preocupar com a chegada. É necessário, é essencial. Mas é muito bom curtir o caminho.
Lembro até hoje, da primeira vez que voei. Minha alegria era pensar sobre o que seria a próxima atração do avião (não se iluda, se a viagem for curta, o avião terá poucas atrações além de amendoim e refrigerante), mas eu ficava lá, só curtindo. Curtindo pelo simples prazer de curtir. E mesmo que a próxima atração fosse o amendoin, ele seria, naquele momento, o melhor do mundo.
O caminho, é longo, eu sei, mas ele chega. E quanto mais se aproveitar o durante, mais rápido chega o depois. Quando mais se curte o presente, mais rápido e melhor se chega no futuro. Lembro então daquela frase: “felicidade é uma jornada, não um destino”.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

FADA MADRINHA

Esta semana, tive a oportunidade de curtir muito minha afilhada. Sim, sou madrinha. Fada madrinha? Não... só madrinha. O que pra mim, já é muito honroso.
Você pode me perguntar como é esta criança, de quem, tenho o prazer de ter um título tão importante assim...
Bom, ela é fofa... Linda, querida, tem olhos azuis, linda, doce, linda, animada, linda, inteligente, linda, graciosa, linda, e não só por fora... Sua voz é como música para os ouvidos e sua risada, gotas de felicidade. Como crianças fazem bem pra gente! Elas alegram o dia com o seu encantamento, acham graça pelas coisas mais simples como assoprar um papel e vê-lo voar, se esconder atrás de uma árvore, cantar a musiquinha do sapo... e como aprendem rápido o que escutam e observam.
A infância é aquela parte da vida em que se absorve tudo, em que as primeiras representações são instaladas e de onde a gente vai inconscientemente tentar repetir na idade adulta. Traço unário, já dizia Lacan. Aquilo que se instala ali, segundo o desejo deste Outro Primordial que é a mãe.
Assim crescemos e nos tornamos adultos.
Os pais têm papel fundamental no desenvolvimento da criança; nesta etapa, são responsáveis pelo sustento e pelos aspectos psicológicos dela também. Incentivá-la, protegê-la, cuidá-la. Mas o mais importante, amá-la. É ao redor deste mundo que os pais criam, que a criança vai se desenvolver, vai fazer escolhas baseadas nesta experiência, vai seguir caminhos e deixar outros.
Claro que nem tudo são flores, há situações difíceis, penosas, sofridas, e grande parte da angústia dos pais, é fazer com que seus filhos não passem por sofrimentos. Missão difícil; quase impossível, já que a própria vida é feita de altos e baixos, alegrias e tristezas. O importante mesmo, é fazê-los lidar com as dificuldades, encontrar caminhos, muní-los de capacidade para que possam enfrentar os problemas. (Missão mais difícil ainda do que tentar deixá-los sem problemas); porém, é o caminho mais seguro, pois é enfrentando as dificuldades que a gente é feliz, é indo a luta, é torcendo e se arriscando, assim como fazem as crianças. Elas não pensam no perigo, elas têm vontade. Acordam com toda a energia e prontas pra mais um dia de estímulos e brincadeiras... e como se recuperam rápido! Podem cair, mas se levantam, choram um pouco, é claro, mas logo, logo, estão dispostas pra outra leva de emoções! Passam um dia curtindo cantigas, se escondendo atrás de roupas, brincando de esconde-esconde e fazendo festa! Acham graça no espirro do cachorrinho e na bolacha de chocolate...
Quanto temos que aprender com as crianças. Quanta vitalidade, energia, recuperação e entusiasmo. Lições que elas dão de dez a zero em gente grande.
Sim, eu sou a madrinha, mas ela é a fada.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

DE-PRESSÃO

Vivemos num mundo onde a palavra depressão certamente já foi pronunciada pela sua boca.
Se pensarmos geograficamente, depressão é um relevo aplainado, onde podem ser encontradas baixas colinas, suas altitudes são menores dos que dos relevos ao seu redor. É aonde se acumula a água da chuva num terreno. É como uma poça d´água.
Na vida psíquica, não é muito diferente. Quando estamos deprimidos, a sensação que se tem é de estar no fundo do poço, (ou da poça), e com água em cima; um verdadeiro afogamento. Pra piorar, ainda podem aparecer sintomas como insônia, apatia, falta de vontade, pensamentos pessimistas, falta de concentração e memória, ansiedade, palpitações; e eles podem variar bastante de caso para caso.
Existem vários tipos de depressão. E vários tipos de-pressão. Trabalho, família, imposições, relacionamentos, escolhas, perdas, dificuldades financeiras. Tudo isso, pressionando alguém que está lá dentro e muitas vezes não consegue nem tomar um pouquinho de ar em meio a toda essa miscelânea de sentimentos / sufocamentos. Lembra do superego? Pois é. Muitas vezes, a depressão pode ter início aí, com as exigências dele. Às vezes, ele coloca uma imposição tão grande, que a gente pensa que pode cumprir, e quando não consegue, lá vem ele... massacrando mais uma vez.
De que tipo de-pressão você sofre? Precisa de remédio? Remédio da coragem, remédio do ânimo, remédio do sono, remédio da tristeza?
Não é fácil mesmo estar em meio a tudo isso e o que muitas vezes questionamos: sem escolher estar aqui. Não pedimos pra nascer; não escolhemos, escolheram por nós e agora estamos aqui, jogados num mundo de exigência, e com a pretensão de que tudo na vida tem que dar certo. Grande mal-estar da civilização, já dizia Freud. É com isso que temos que conviver. Com esse a-sujeitamento a que fomos expostos, quando decidiram por nós que deveríamos existir; porém, é assim. A gente nasce, cresce e de repente tem que decidir o que fazer da vida, o que escolher. Algumas escolhas são mais fáceis, outras mais difíceis, umas que são pra vida toda, outras que a gente quer voltar atrás. De fato, a vida é um relevo cheio de depressões e colinas, onde algumas fases são mais fundas que outras; algumas crises mais fáceis de se suportar que outras.
Nossa vida é esse terreno, cheio de declínios e ascensões. O fato é que a depressão é quando essa parte mais baixa do relevo, esse terreno em que acumulou água já está tão cheio que não consegue mais vencer a absorção; e de onde vem a água que se acumula aí, na nossa depressão? É água da nossa própria chuva ou é chuva que vem de outros terrenos, de um Grande Outro, trazendo junto com ela galhos de enchentes, lixo e outros sedimentos?
Depósito de pressão? Ou depressão que vem da pressão?

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

LOUCO DE CARTEIRINHA

Você pode não acreditar, mas hoje, existem os loucos de carteirinha. Não, não é figurativo, é concreto. Pessoas com transtornos mentais hoje, podem pedir uma carteirinha de identificação que as rotula como transtornados.
Fulano de tal, bipolar. Siclano de tal, pânico.
Tudo tem seu lado bom. Como não é qualquer pessoa que pode identificar uma doença assim, isso facilita e pode evitar transtornos (outros); porém, com tantos rótulos e nomeações, fico me perguntando até que ponto o transtornado é ou não, transtornado.
A onda do momento é a bipolaridade. Se você tem dias tristes e outros felizes, não dá outra. Bipolar. É claro que somos bipolares. Oscilamos o tempo todo entre os pólos. E não são só dois.
Caso ou separo, azul ou amarelo, medicina ou engenharia, São Paulo ou Recife, PT ou PSDB, um filho ou dois. Somos cindidos. Vamos de um extremo ao outro, inevitavelmente bipolares, tripolares, quadripolares. O fato é que adoramos um rótulo pra não ter que se a ver com nada disso.
Não raro é escutar pessoas com um sorriso bem grande falando bem alto do seu sintoma.
- Sabe... eu sou bipolar!
Só falta o “oba” do final.
O fato de falar que SOU, é que é o problema. Isso engessa. Cria raízes, paralisa. O doente que sofre do seu sintoma não quer ver isso como permanente, pelo contrário, pode dizer: “estou”, não “sou”.
Claro que existem aqueles que são. Fim de papo. Sua lógica é diferente, seu sentir é diferente, as sensações são diferentes, seu corpo é diferente. São tantos os transtornos hoje em dia que não é por menos que o DSM, Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais tem aquele tamanho todo. No entanto, lidamos hoje com uma gama muito maior de doentes mentais, os que se encontram pra fora dos muros dos hospitais psiquiátricos, são os comuns, os que trabalham, os que tem vida social, os “gente como a gente”, e pasme você, são esses que estão gostando dos rótulos.
O imperativo hoje é de ser feliz, e parece que qualquer desconforto em relação a isso, é um problemão. Quando cumprimentamos alguém, por exemplo, falamos:
- Tudo bem?
- Tudo, tudo, não está. Tenho problemas na família, minha casa está desmoronando, não tenho ninguém pra me ajudar, me sinto só, perdi o sentido... mas claro, vou dizer que está tudo bem.
Perdemos a suportabilidade de escutar que alguém não está bem. Queremos que esteja, queremos ouvir: “sim, tudo bem”.
De carteirinhas ou não, todos temos nossos dias loucos. Dias em que nem tudo está bem. A diferença é que com rótulos, a gente se acomoda, fica lá, marcadinho, selado. E quando tudo fica assim, muito marcadinho, a força que a gente tem que fazer pra mudar, é muito maior. É desengessar. Então, a gente que ainda está do lado de cá, talvez ainda possa contribuir e falar: estou, não sou. Tenho problemas, mas luto contra. E se for pra engessar, que seja a perna, e não o cérebro.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

PAI, ME DÁ UMA PLÁSTICA?

Um tempo atrás, fui convidada para dar uma entrevista pra televisão e falar sobre os efeitos psicológicos da cirurgia plástica. Não, não sou contra a plástica, jamais, muito pelo contrário; mas a ressalva que fiz naquele programa, é do quão mais cedo as meninas e meninos tem procurado esse tipo de serviço. Elas querem peitos maiores, gorduras menores (ou nada de gordura, se possível), o nariz da Madonna, a boca da Angelina, a bunda da mais nova gostosa da parada. Tudo isso, com 15 anos de idade. Inclusive, pedem isso como presente.
Debut? Não, De peitos, pai!
A insatisfação com o próprio corpo numa sociedade que prima pela perfeição estética tem levado cada vez mais adolescentes aos consultórios de cirurgia plástica. De acordo com dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), das mais de 700 mil cirurgias realizadas no Brasil, 15% são em adolescentes. Há 10 anos este índice era de 5%. As estatísticas não são oficiais, mas especialistas confirmam que o número de adolescentes em seus consultórios aumentou nos últimos anos.
Hoje é muito fácil procurar cirurgias; tem Internet, revistas, programas de tv e pasme, até consórcio para cirurgias plásticas. Ótimo. É muito importante que isso fique sim, mais acessível, mais dentro do orçamento; o ponto é que cada vez mais, meninas e meninos querem pagar seus consórcios com o dinheiro de suas mesadas. O corpo de um adolescente não está formado com 15 anos. Eles ainda vão crescer, criar músculos, esticar e tomar forma.
Fazer uma cirurgia mexe com o esquema corporal, com o que o outro vê de mim, com o que vejo de mim mesmo; e as mudanças na adolescência já são tão grandes! Tem o luto pelo corpo infantil, a chegada da menstruação, crescimento da barba, depilação, salto alto. Mexer com tudo isso pode ser muito bom, pode trazer benefícios, mas se não houver maturidade, tudo pode sim, dar muito errado. Nesta fase, o adolescente não se apropriou ainda do novo corpo e já quer tirar aqui e colocar lá. Claro, cada caso é um caso; meninas com muito seio, por exemplo, que tem problemas na coluna, tem uma indicação clara pra isso, e tudo pode ficar cor-de-rosa depois de uma diminuição de mamas, porém, há de se advertir. O limiar de frustração aparece hoje cada vez mais cedo. Meninas de cinco anos usando maquiagem, e aquele cabelinho de anjo com mechas? Em que tempo estamos vivendo? A preocupação com a aparência tem surgido muito precocemente, e a intolerância com quem não é perfeitamente perfeito, crescido na mesma proporção das plásticas em adolescentes.
Citando o fofo do Vinícius, sim, fofo nos dois sentidos e agregando um pouquinho, digo então: “as muito feias que me perdoem, mas beleza é fundamental”, crescer também.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

E VOCÊ, QUER OU DESEJA?

Inauguro esta coluna, e a faço em primeira pessoa. Depois de meses pensando e sonhando com isso, não vou negar que o momento em que o desejo se realiza é sim um pouco conflitante também. O próprio desejo diz: “a hora é agora”, e a gente precisa lidar com isso. Não nego o meu desejo, aliás, já dizia Lacan, que se há algo pelo qual o sujeito possa se sentir culpado é por abdicar ao seu desejo. E isso não fiz, logo, sou julgada inocente e absolvida.
O desejo de escrever esta coluna surgiu, este ano, quando pensava eu em projetos para a minha vida, e comecei a me dar conta que durante nossa existência, muitas vezes, queremos algo, mas não desejamos. Deixamos de fazer “aquela”viagem porque falta tempo, falta dinheiro, mas mais ainda porque pensamos que o sonho pode esperar... entendemos assim: “se der, a gente faz”. A gente se coloca uma desculpa, uma imposição, um “deixa pra depois”. A gente diz que quer, porém, quando existe uma oportunidade, a gente coloca um empecilho. Isso tudo não é a toa, é difícil lidar com o desejo, afinal, o desejo simplesmente acontece, ele descontrola, ele não pára pra pensar ou perguntar. Aí, você pode me questionar: “mas vc nunca desejou alguma coisa?” e eu te digo: Querer é diferente de desejar. Querer faz parte da consciência e isso eu fiz sim, não nego, a vida toda. Quis entrar na faculdade, quis tocar piano, quis me apaixonar, quis ter sucesso. Mas sempre que queria, pensava: “humm... minha mãe gosta de piano”, “hummm, meus pais ficarão orgulhosos na minha formatura”, “hummm, meus amigos ficarão felizes”. Sim, sim, sim. O querer tem dessas coisas: satisfazer primeiro os outros e depois a si mesmo. O desejo é diferente; mais egoísta é bem verdade, porém mais sincero. O desejo simplesmente acontece. Ao invés de dizer: “quero me apaixonar, digo simplesmente: “me apaixonei”, ao invés de querer controlar todas as coisas, levar tudo em consideração, o desejo tira tudo do controle, tudo que estava em seu “devido” lugar e leia-se aqui “devido” de “dever”, e é isso que desestrutura totalmente quando o desejo entra em cena. Tudo sai do lugar, tudo muda de valor.
Não pensem vocês que escrever para este jornal passou só pela via do desejo... não, o “querer” apareceu e fez marca. Ele me dizia: “você quer, mas tem certeza? “, “olha lá... é de grande responsabilidade...” blá blá blá... Isso não quer dizer que o querer não deva ser levado em conta, porém, neste caso, só me fez paralisar. Por isso hoje, inauguro esta coluna como alguém que corta uma fita; como um marco, como um nascimento. O nascimento de alguém que quis e que assim, manteve seu desejo sob controle, mas que deixa hoje, seu prisioneiro livre. Seja qual for a pena que esse prisioneiro deva ter cumprido, seu pecado não deve ter sido assim, tão mal, afinal, não pegou perpétua, e por fim das contas, prefiro carregar a culpa de soltar um prisioneiro, do que de ceder ao meu desejo mais uma vez e me aprisionar ao querer que me dá mais o chão do que asas. Mas afinal de contas, quem tem asas, pode voar e quem voa, vê tudo do alto, vê as cidades pequenas, mas o mundo, imenso. Quem voa, quer mais. Quem voa sente o frio na barriga quando impulsiona, corre pra pegar embalo, porém conhece a mesma coisa de outro jeito. Conhece a mesma cidade com outros olhos, os olhos de quem vê tudo do alto. E depois que conhece, não consegue mais voltar... e você, é pássaro ou rastejante? Tem asas ou 1000 perninhas como uma centopéia? Vive ou sobrevive? Encara ou foge? Se liberta ou se aprisiona?
Seja qual for a sua resposta, lembre: a águia voa, voa alto, e mesmo assim, ainda pode caminhar, mas a centopéia mesmo com aquela infinidade de pézinhos, o que lhe resta é o chão e mesmo que se impulsione bastante, jamais poderá voar, nem de carona!